LIÇÃO DE LIBERDADE E DE HARMONIA Jorge Lacerda no II Congresso Estadual de Medicina Santa Catarina 25.04.1957 Análise de Discurso
empreendimento da Associação Catarinense de Medicina”. Pasold (1998, p. 164) Desta fala apreende-se o estímulo ao debate livre das opiniões para o aprofundamento das questões possibilitando a aplicação dos conhecimentos que redundem em benefício de toda a sociedade.
Agora como governador impulsiona aquilo que sempre o preocupou, desde a sua condição de Deputado Federal: a educação universitária. Piazza (1993, p.XXVIII) no texto introdutório do Inventário Analítico do Fundo Privado do ex-Governador Jorge Lacerda explica que além dos esforços pelo ensino básico (fundamental e médio), preocupou-se com o ensino superior:
A outra ponta do problema educacional catarinense que o interessava vivamente era a implantação da Universidade. Ele sentira, na própria carne, este problema. Filho de gente modesta tivera que procurar em outro centro os estudos superiores que lhe interessavam, como inúmeros outros catarinenses fizeram e vinham fazendo desde o período colonial e que de certa forma era um convite à imigração das melhores inteligências, desfalcando, assim, o meio catarinense de ótimas cerebrações. Para tanto, apoiando a ideia de implantação da Universidade que vinha tomando forma desde o governo anterior de Irineu Bornhausen, sob a orientação do Prof. Henrique da Silva Fontes, dá todo o incentivo à elaboração do projeto de urbanização da área prevista para a Cidade Universitária, na Trindade, executada pelos Arquitetos Hélio de Queirós Duarte e Ernest Robert de Carvalho Mange. Assim, nas comemorações do primeiro aniversário de seu Governo, Jorge Lacerda assistiu ao início do trabalho de implantação do sistema viário do Plano de Urbanização da Cidade Universitária, onde declarou: "Assim vos afirmarei que nada me poderia ser mais grato em meu governo de que estar hoje neste local para iniciar os trabalhos de que vai surgir a Cidade Universitária de Santa Catarina." (Diário Oficial do Estado, Florianópolis, ed. de 4-2-1457, p.3. XXVIII)
Destaca o papel decisivo da universidade, que deve contar com ensino de qualidade e pessoal preparado. Advoga o princípio do estudante na centralidade do processo educativo e da finalidade da universidade. Apóia-se para isto nas conferências realizadas por Ortega y Gasset na Universidade de Madrid durante o segundo semestre de 1930. Refere-se em alguns trechos desta elocução ao filósofo espanhol. Insiste na idéia que já anteriormente, no discurso de 26.11.54, havia enfatizado: a questão do utilitarismo. A expressão que emprega é:
Permiti-me, senhores, que, neste instante, não apenas como colega, mas como alguém eventualmente elevado às responsabilidades de uma função pública, assinale a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura” DN (1960, p. 174).
É dentro desta perspectiva, de valores morais universais que visualiza a contribuição da universidade na formação de pessoas ao atuar empregando a ciência para a construção de uma sociedade mais justa. Destaca especialmente que: “O Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.” (id. 173)
Lição de Liberdade e de Harmonia (II Congresso Estadual de Medicina)
1 - Unidade
Conceito -Não é demais, neste instante, que exalte a significação de reuniões desta natureza, pois a ciência, hoje, se faz pela colaboração íntima dos que a ela se devotam, pela discussão de todas as teorias e de todos os problemas, através do debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais.
2 - Unidade
Conceito - E, para mim, esses mesmos pioneiros são os que têm por várias circunstâncias, maiores possibilidades de concretizar, no silêncio das províncias, se lhes não faltarem os instrumentos adequados, os sonhos que ardem no pensamento dos cientistas.
3 - Unidade
Conceito - Desejamos, efetivamente, Senhores Congressistas, que a nossa Faculdade se revista, à luz daquelas lições, da indispensável autoridade científica, sem a qual nada é possível fazer.
4 - Unidade
Conceito - Uma instituição, já nos ensinava Ortega y Gasset, é uma máquina; e toda a sua estrutura e funcionamento deverão ser prefixados pelo serviço que dela se espera. E acentuava que a raiz de qualquer reforma universitária está em acertar plenamente com a sua missão. Na organização do ensino superior, na construção da Universidade, temos de partir do estudante. A Universidade deve ser a projeção institucional do aluno. O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica.
5 - Unidade
Conceito - colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria, e a publicação, que se fará em breves dias, dos atos de designação dos membros desse Conselho, além da destinação específica de uma dotação orçamentária já fixada, são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.
6 - Unidade
Conceito - É oportuno que se realce o papel das Universidades no destino do mundo moderno. Sofre muito a Humanidade de dois males: o dos homens bons, que não têm noção alguma das técnicas que deveriam empregar para que se torne mais eficiente a sua bondade, e o dos técnicos, em que se abalaram ou em que quase se perderam as qualidades humanas.
7 - Unidade
Conceito - Palpita uma grande inquietação por toda a parte, não obstante o progresso vertiginoso da ciência e da técnica. Cada vez mais penetramos nos segredos recônditos da natureza, e à medida que nela mais nos aprofundamos, mais se agigantam perante nós o drama, o desespero e o temor, pois o homem, pelo domínio das forças íntimas da matéria, constrói sóis e os faz explodir à superfície da Terra, oferecendo ao mundo atônito a pompa luminosa de um crepúsculo trágico.
8 - Unidade
Conceito - Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!
9 - Unidade
Conceito - (...) dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura.
10 - Unidade
Conceito - No mundo contemporâneo, observa-se a ascensão, no cenário político, de personagens novas, que surgem do seio anônimo das massas, não raro ainda pouco esclarecidas, mas com a intuição clara e nítida da marcha inexorável das transformações sociais. Cabe às elites o papel de intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro.
A partir dos conceitos destacados, apreende-se o relevo, a propósito desta fala, que dá à interação e multidisciplinaridade, fomentando a troca de experiências, com o “debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais”. Os pioneiros, como sugere, são aqueles que podem concretizar os anseios de cientistas para as transformações no contato direto com os problemas, desde onde eles surgem. É o conhecimento que se socializa. Constrói-se conhecimento através do diálogo entre correntes de idéias e experiências diversas. Convencido estava da capacitação em alto nível dos docentes para o cumprimento da missão universitária: “O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica” DN (1960, p. 172). Sendo para isto indispensável a autoridade científica.
Mostra identificação com a discussão, ainda muito atual, proposta por Ortega y Gasset, que emprega nas suas conferências a figura da economia do conhecimento em que a sua aquisição é limitada pela capacidade de assimilação do alunado. O conhecimento construído e explicitado é crescente e o recurso escasso é o tempo e capacidades de assimilação humanas. Esta escassez exige uma atenção especial à centralidade institucional da universidade no aluno: “projeção institucional do aluno”.
Identifica a necessária integração/interação dos atores sociais de modo a atender “com o seu Conselho Diretor, em que são convocados a colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria”, atendendo a um modo de dirigir a instituição com instrumentos que: “são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.”
Descreve os dois males que ainda permanecem nas nossas universidades e no seio da nossa sociedade, a dos técnicos competentes pouco sensíveis às necessidades humanas e despreparados ético-politicamente. No outro extremo, situam-se os que têm certa boa vontade, no entanto, não têm os conhecimentos e habilidades para fazer com que os seus desejos de melhoria da sociedade possam se realizar, pois exige-se deles competência politico-administrativa.
Durante a guerra fria sentia-se palpitar as inquietações de uma possível destruição da humanidade. Hannah Arendt e Soljenitsen nas suas avaliações, no pós-guerra, diagnosticam o pessimismo global que repercutiu entre os filósofos e pensadores, porquanto o progresso e a ciência apenas conseguiram produzir bem estar material, mas não trouxeram felicidade às pessoas.
O projeto ideal de acordo com JL, é: “Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!” (id. p. 173)
Um outro tema candente que aborda, refere-se à pouca atratividade que as pessoas de cultura e inteligência têm para a carreira política. Assim como naquela época, hoje talvez mais grave ainda, verifica-se o desprestígio dos políticos, devido aos casos deploráveis de corrupção da atualidade. Confirma o que JL expressa: “a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura.” (id. p. 174). Pasold (1998, p.165) considera o sentido que JL emprega ao referir-se ao papel das elites:
Ao encerrar, pediu licença para manifestar a sua preocupação com a “dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência”, pela forma irresponsável com que certas pessoas que detêm privilegiadas condições culturais, sociais e econômicas não atentam devidamente para as tristes realidades do mundo contemporâneo e os seus apelos procedentes. Este fenômeno, a seu juízo, deveria ser imediatamente detido através de uma urgente consciência das elites, quase sempre tão omissas, no sentido de que sejam, o quanto antes, “intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro”.
Texto do discurso na integra
LIÇÃO DE LIBERDADE E DE HARMONIA
Discurso pronunciado no Congresso Estadual de Medicina, realizado em Florianópolis, em 25 de abril de 1957.
Ao término das vossas tarefas, quero congratular-me com o êxito do importante conclave que, para honra nossa, elegeu como seu cenário a nossa terra, a nossa ilha. Não é demais, neste instante, que exalte a significação de reuniões desta natureza, pois a ciência, hoje, se faz pela colaboração íntima dos que a ela se devotam, pela discussão de todas as teorias e de todos os problemas, através do debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais.
Recolhemos, por outro lado, os frutos de um contato benéfico com figuras nacionais tão ricas de sabedoria, humanidade e inteligência. O Congresso ofereceu-nos, pois, uma lição de liberdade e de harmonia. Neste ambiente sentiram-se inteiramente à vontade os mestres que de fora vieram para nos ensinar o muito que sabem; e estamos certos de que cumpriram o dever de estimular os que, por tantas vezes e à custa das mais duras penas, são os pioneiros e os anunciadores de eras novas para terras novas. E, para mim, esses mesmos pioneiros são os que têm por várias circunstâncias, maiores possibilidades de concretizar, no silêncio das províncias, se lhes não faltarem os instrumentos adequados, os sonhos que ardem no pensamento dos cientistas.
Pelo menos, Senhores Congressistas, é o que nós queremos que suceda, pondo nisso toda a força da nossa fé e todo o nosso ímpeto realizador, no que respeita à nossa futura Faculdade de Medicina, em tão boa hora empreendida pela Associação Catarinense de Medicina e a que o meu Governo se honra de ter prestado decidido apoio, não só pela doação inicial de dez milhões de cruzeiros em apólices e da área que lhe é necessária, como por ter sempre posto à disposição dos fundadores toda a colaboração dos órgãos competentes da administração pública.
Devo confessar com sinceridade que não nos interessa apenas possuir mais uma Faculdade. O que pretendemos é que a nossa Faculdade seja, quanto possível, a realização daqueles ideais tão brilhantemente expostos, em sua memorável conferência de Florianópolis, pelo Professor Hilton Bocha, ilustre Presidente da Associação Médica Brasileira.
Desejamos, efetivamente, Senhores Congressistas, que a nossa Faculdade se revista, à luz daquelas lições, da indispensável autoridade científica, sem a qual nada é possível fazer. Para esse fim, é mister a convocação de figuras exponenciais que venham reger as cadeiras básicas do currículo. Já que a Faculdade deverá integrar-se na estrutura da Universidade, é necessário que todos nós concentremos o melhor dos nossos esforços, com o objetivo de que a Universidade de Santa Catarina seja a projeção real dos nossos ideais e da nossa vontade.
Uma instituição, já nos ensinava Ortega y Gasset, é uma máquina; e toda a sua estrutura e funcionamento deverão ser prefixados pelo serviço que dela se espera. E acentuava que a raiz de qualquer reforma universitária está em acertar plenamente com a sua missão. Na organização do ensino superior, na construção da Universidade, temos de partir do estudante. A Universidade deve ser a projeção institucional do aluno. O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica.
Senhores Congressistas:
Tenho acompanhado com entusiasmo a tramitação, no Congresso Nacional, das proposições fundamentais, acerca do ensino médico dentro da linha das reformas preconizadas pela Associação Médica Brasileira. Nutro, mais do que a esperança de que tudo se realize, entre nós, de acordo com essa orientação, a certeza de que assim sucederá, dentro dos limites do que é humanamente possível, tal a responsabilidade dos que estão à frente do empreendimento e tal o desejo, que palpita em todos nós, de que a Universidade de Santa Catarina possa inovar na organização das Universidades brasileiras. O meu Governo não tem poupado esforços para que se prossiga no caminho aberto pelo ex-governador Irineu Bornhausen: o início da urbanização da cidade universitária, a publicação já feita por nós do Decreto que institui o Regulamento da Fundação da Universidade de Santa Catarina, com o seu Conselho Diretor, em que são convocados a colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria, e a publicação, que se fará em breves dias, dos atos de designação dos membros desse Conselho, além da destinação específica de uma dotação orçamentária já fixada, são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.
Senhores Congressistas:
É oportuno que se realce o papel das Universidades no destino do mundo moderno. Sofre muito a Humanidade de dois males: o dos homens bons, que não têm noção alguma das técnicas que deveriam empregar para que se torne mais eficiente a sua bondade, e o dos técnicos, em que se abalaram ou em que quase se perderam as qualidades humanas.
Palpita uma grande inquietação por toda a parte, não obstante o progresso vertiginoso da ciência e da técnica. Cada vez mais penetramos nos segredos recônditos da natureza, e à medida que nela mais nos aprofundamos, mais se agigantam perante nós o drama, o desespero e o temor, pois o homem, pelo domínio das forças íntimas da matéria, constrói sóis e os faz explodir à superfície da Terra, oferecendo ao mundo atônito a pompa luminosa de um crepúsculo trágico.
Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!
Permiti-me, senhores, que, neste instante, não apenas como colega, mas como alguém eventualmente elevado às responsabilidades de uma função pública, assinale a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura. No mundo contemporâneo, observa-se a ascensão, no cenário político, de personagens novas, que surgem do seio anônimo das massas, não raro ainda pouco esclarecidas, mas com a intuição clara e nítida da marcha inexorável das transformações sociais. Cabe às elites o papel de intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro.
Espero, Senhores Congressistas, que daqui leveis tanta esperança e tanta fé nas possibilidades de Santa Catarina, como aquelas que eu próprio deposito em nossa terra; conosco fica a certeza da colaboração constante da vossa experiência e do vosso entendimento, quando por nós outros reclamados nas horas necessárias. E conosco ficam, sobretudo, a saudade da vossa presença, a lembrança do vosso saber e o estímulo da vossa inteligência.
Referências e Fontes para Pesquisa
LACERDA, J. Democracia e Nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 174
PASOLD, C.L. Jorge Lacerda: Uma Vida Muito Especial Florianópolis: Ed. OAB/SC, 1998.
PIAZZA, W. INVENTÁRIO ANALÍTICO DO FUNDO PRIVADO DO EX GOVERNADOR JORGE LACERDA 1931 a 1973. Brasília: Edição do Senado Federal, 1993. p. xxii-xxiii.
PIAZZA, Walter. In: REVISTA LITORAL. Florianópolis. N.III, Ano I. 1958.