sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Artigo publicado em: 19/09/2008

A universidade e a verdade


Este artigo também foi publicado no Jornal Gazeta do Povo, para visualizá-lo CLIQUE AQUI.

A universidade desde a sua origem teve como objetivo buscar respostas sobre a verdade e Sócrates é considerado na cultura ocidental como o precursor do espírito universitário pelo amor à verdade. Platão, nos diálogos em que Sócrates é o seu porta-voz, sistematicamente refere-se à verdade das coisas e da existência humana. Na disputa de Sócrates com Eutifrone, sobre a questão da piedade e o culto aos deuses mitológicos, Sócrates o questiona sobre a veracidade da existência daqueles deuses tal como crê Eutifrone, e o interpela: “Tu acreditas que entre os deuses exista realmente uma guerra recíproca e terríveis inimizades e combates (...). Teremos nós, Eutifrone, de afirmar que tudo isto é verdade?”. Há neste questionamento a disposição da procura da verdade, tendo como fim o aperfeiçoamento do conhecimento.
O conhecimento da verdade, na perspectiva clássica grega, do século IV a.C., não se dá separada da busca do bem. Conhecer a verdade corresponde ao que denominavam de theoria, no entanto a verdade não é só teórica, pois de acordo com Papa Bento XVI: “verdade significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem como finalidade o conhecimento do bem. Este é também o sentido do questionar socrático: qual é o bem que nos torna verdadeiros?”
A universidade na sua hora inaugural compunha-se das faculdades de Filosofia, Teologia, Direito e Medicina. A de Medicina foi incluída posteriormente às outras, pois era considerada como arte e não propriamente ciência, porquanto se propôs realizar a cura das doenças – não de acordo com crendices ou magias, mas segundo a razão.
Como as relações entre a prática e teoria requeriam concretizações sobre as formas de aplicar a justiça e limitar a liberdade individual, destas questões incumbiu-se a Faculdade de Jurisprudência. Bento XVI, no discurso que seria proferido na Universidade de La Sapienza, refere-se à necessidade de uma forma razoável para se encontrar as soluções dos problemas da sociedade. Propõe a reflexão sobre o processo de argumentação, sobre as questões de justiça, que deve ser sensível à verdade: “Na minha opinião, Jürgen Habermas exprime um vasto consenso do pensamento contemporâneo quando afirma que a legitimidade de uma carta constitucional, como pressuposto da legalidade, derivaria de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma razoável como são resolvidos os contrastes políticos.” A propósito da referida “forma razoável”, observa ele que a mesma não pode ser somente uma luta por maiorias aritméticas, mas há-de caracterizar-se como um “processo de argumentação sensível à verdade”.
O propósito da universidade é o de promover o crescimento na sensibilidade pela verdade, para isso necessita da autonomia da ciência em relação aos interesses utilitários do poder. A ciência deve se subordinar à verdade, e na Universidade Medieval as Faculdades de Filosofia e de Teologia cumpriam esta função ao refletir sobre o bem do homem em sua totalidade. Bento XVI esclarece que: a “Faculdade de Filosofia tinha sido somente propedêutica à teologia e tornou-se (a partir da incorporação dos escritos de Aristóteles no século XII) uma verdadeira e própria Faculdade, um parceiro autônomo da teologia e da fé nela refletida.”
Desde o início a universidade refletiu sobre a totalidade do bem que provém da verdade, tendo a filosofia desempenhado um papel primordial nesta tarefa. Bento XVI também esclarece sobre o perigo ao se separar a ciência da busca da verdade: “O perigo do mundo ocidental para falar somente dele é que o homem hoje, precisamente à vista da grandeza do seu saber e do seu poder, desista diante da questão da verdade; significando isto ao mesmo tempo que, no fim de contas, a razão cede face à pressão dos interesses e à atração da utilidade, obrigada a reconhecê-la como critério derradeiro”.
Na concepção de Jorge Lacerda, ex-governador catarinense, a universidade para sê-la verdadeiramente, deve estar fundada num estatuto mais profundo que é a busca da verdade, de modo que as faculdades ou ciências específicas estejam “fundidas entre si por aquele estatuto muito mais importante que se escreve nos corações pelo milagre diário da colaboração e da convivência de homens de tão diferentes temperamentos, de tão diversas tendências, de tão vários interesses. Existe entidade universitária quando os homens, pela convivência diária, se tornaram real humanidade; e quando essa humanidade, transcendendo-se, se torna a um tempo amor e pensamento.”

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo publicado em: 01/09/2008

EMPREENDEDORISMO


Os empreendimentos chegam à sua grandeza a partir da chama e da visão que se tem desde o seu ponto de partida. Jorge Lacerda, ex-governador catarinense, destacava a importância de forjar o caráter empreendedor e explicava: “porque o grande heroísmo do homem é justamente manter-se de pé no fragor das batalhas a que se vê lançado, como aqueles carvalhos majestosos em meio à fúria das tempestades que se abatem sobre as florestas.”[1] Da mesma forma o empreendedor deve ter em conta as dificuldades em cada etapa de qualquer atividade humana como são: o tempo de preparar a terra, de adubar, de semear, de cuidar do campo, de colher e de armazenar. Ao descuidar dos pequenos esforços, justificar-se-ia aquela máxima: “Erraste o caminho se desprezas as coisas pequenas.[2]” Concordo com Escrivá quando diz também que: “Não esqueças que, na terra, tudo o que é grande começou por ser pequeno. - O que nasce grande é monstruoso e morre.”[3]
Estes passos são fruto da sabedoria humana armazenada ao longo da história. Quem é que não calcula antes de começar a construir, não é verdade que depois as pessoas que vêem a casa meio terminar passam por ali e caçoam do sujeito: que pessoa imprevidente! Começou a construir e não terminou! Quem é que não usa a regra do carpinteiro? Medir duas vezes e cortar uma só! Hoje infelizmente no Brasil mesmo sendo necessária a atividade do empreendedor para gerar riqueza e novas frentes de trabalho, sobra-lhe arrojo que o leva tantas vezes à temeridade, pois ele não se debruça para conhecer bem a área de trabalho, o mercado, os fatores negativos e os possíveis riscos. É necessário difundir os conhecimentos mínimos para iniciar o processo de gestação do empreendedor que é feita de virtudes: a prudência para melhorar o seu processo de tomada de decisões, a justiça para ser integro no serviço a todos implicados com a sua atividade, a temperança que possibilita o autocontrole, pois sem ele facilmente se perde o controle de qualquer empreendimento e a fortaleza para ser audaz e magnânimo – ter alma grande e metas grandes -, ser resistente às dificuldades que se interponham no seu caminho.
Um pensamento muito sugestivo é: “Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? - Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. - E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. - E pedaços de ferro. - E operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas... Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente?... À força de pequenas coisas!” [4] Nele encerram-se grandes ensinamentos, pois primeiro é preciso ter em mente o projeto, no nosso caso o plano de negócio. Depois estar com os braços e a mente bem firmes para trabalhar com constância, cuidando de todos os detalhes até conseguir os resultados.
Tomás Edison deve ser o nosso inspirador! Por quê? Ele é o protótipo do empresário, começou em germe aquilo que chegou ao que é hoje a General Eletric, uma das maiores empresas do planeta. Também há razão de sobra no pensamento: “Não julgues nada pela pequenez dos começos. Uma vez fizeram-me notar que não se distinguem pelo tamanho as sementes que darão ervas anuais das que vão produzir árvores centenárias.”[5] Nós podemos começar uma atividade pequena, por que não? O valor desta atividade depende do “código genético” da sua arquitetura, isto é do espírito com que ela nasce. Dá para traduzir esse “código genético” como aquele fator de seguro crescimento que é a qualidade de “conhecimento” que se agrega à atividade, pelos aspectos inovadores implementados difíceis de serem imitados e pelo desenvolvimento de pessoas colocando-as no centro da atividade.
A riqueza dos empreendimentos depende, sobretudo das pessoas que as empreendem e hoje não basta somente intuição é preciso competência em virtude da grande concorrência. Mal você começa a fazer algo já haverá vinte pessoas querendo fazer o mesmo. Não dá para brincar, é preciso ser competente! Competência não se improvisa! As competências nada mais são que o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que você desenvolve e se torna o melhor ou pelo menos igual ao melhor no seu ramo. Como desenvolve-las? Veja! Todos nós temos áreas pessoais de incompetências ignoradas. Especialmente naquilo que pretendemos empreender e temos total desconhecimento, isto é: nem imaginamos o que pode vir a gerar problemas. Daí a importância de conhecer bem a área de negócio, ter mais informações, sair da cadeira do comodismo e dar uma volta por ai, perguntar e ler (hoje se lê ridiculamente pouco), informar-se e para isso é preciso a humildade de aprender. Com isto passamos de uma situação de verdadeira ignorância para um estado consciente dela, somente a partir disto podemos saber como trabalhar e empreender.
Há três coisas chaves no processo de desenvolvimento das competências do empreendedor: saber, querer e fazer. Sim! Há muita gente que sabe o que tem que fazer. Pergunto, mas faz? Ai é que as coisas se complicam! Do saber ao fazer é preciso desenvolver disposições para atacar as questões com objetividade, firmeza e perseverança. Até ai estamos a meio caminho, pois se trata de ganhar o hábito de empreendedorismo e este exige a prática constante como nos esportes. Querer levar para frente um empreendimento não pode custar menos que a prática de um esporte. Calcula-se antes e é preciso começar e recomeçar, uma e outra vez. Este é o espírito do esportista que não desiste fácil, não porque seja teimoso, mas porque acredita no seu projeto! Lembre-se que a melhor receita para fracassar é ter a expectativa do fracasso.
Ao ler a imprensa especializada em negócios encontramos o paradoxo: o da dificuldade no Brasil para se abrir uma nova empresa e a urgência de que surjam empreendedores. A seguir encontramos o grave problema da excessiva carga de impostos, que também inibe os novos negócios, pois ao começar, por ser ainda frágil a atividade está sujeita a todo tipo de doenças.
Lembro agora de um empresário que começou bem pequeno e hoje gera dezenas de empregos. Ele serve de testemunha porque este espírito empreendedor ele o tinha de outra forma, mas foi somente ao iniciar sua empresa é que o “vírus” pegou. Está batalhando e tem sido referência para os micro e pequenos empresários.
Portanto a palavra é de animo, mas ter em conta o mito de Prometeu e Epimeteu. A empreitada de Epimeteu, que era um titã, era nada mais nada menos que distribuir competências em um mundo recém feito pelos deuses para os diversos seres vivos. Epimeteu não era muito organizado e foi distribuindo as competências entre os vários animais especialmente para que houvesse equilíbrio entre a dotação de diferentes competências de modo que não ocorresse uma catástrofe. Os maiores não fossem tão rápidos, os mais vorazes não fossem herbívoros, etc. Ocorreu que chegou ao final do seu tempo de distribuição, que era de um dia, tendo já distribuído todas as competências ficou esquecido um ser denominado, nada menos que o homem. Ser frágil, totalmente indefeso, mal dotado, uma penúria! O que fazer? Procurou o irmão Prometeu e ele disse que iria resolver o assunto. Foi ao Olimpo onde se situavam os deuses. Entrou escondido e furtou o fogo de Vulcano (deus das técnicas) e a inteligência de Atena. Este fogo e inteligência tornariam, este ser tão indefeso, capaz de defender-se dos outros animais que possuíam garras, mandíbulas fortes, a pele grossa e estavam mais bem dotados para sobreviver às intempéries e não passar fome e também ser capaz de transformar a realidade através do trabalho. A inteligência e o fogo foram as competências-chave dadas ao homem para desenvolver-se, crescer e poder construir este mundo.
Hoje continua sendo o conhecimento o elemento chave, o fogo que produz as transformações e os empreendimentos verdadeiros. O Brasil precisa de muitos empreendedores, que trabalhem eticamente para construir a nação. Temos muitas frentes em que lutar há muita coisa por fazer, o país pode crescer e deve crescer muito, especialmente para eliminar as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres. A atitude que se propõe nestas considerações é proativa. Lacerda instigava a buscar nos exemplos dos desbravadores do Brasil, a coragem e o estímulo para a luta e o trabalho:

No começo, pois, tudo conspirou contra o desbravador nos seus primeiros arremessos pelo sertão adentro. A luta pela posse do meio não conheceu tréguas na sua agressividade. Daí essa energia inquebrantável que mais tarde se transformou em força criadora e trabalho construtivo, energia que vamos encontrar, não só nos nossos maiores, mas também, entre os humildes, na vida anônima do homem comum, símbolo de grandeza ignorada e resistência moral numa época de perturbadoras descrenças e fundos pessimismos.[6]

Paulo Sertek é consultor e autor dos livros:
Responsabilidade Social e Competência Interpessoal (Ibpex, 2006), Empreendedorismo (Ibpex, 2007) e Administração e Planejamento Estratégico ((Ibpex, 2007).

[1] Lacerda, Jorge. Democracia e Nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 143.
[2] Escrivá, Josemaria. Caminho. 9. ed. São Paulo: Quadrante. 1999, n. 816.
[3] id. n. 821.
[4] id. 823
[5] id. 820
[6] Lacerda, Jorge. id. p. 113.