segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Artigo publicado em: 28/01/2008

CULTURA E CIDADANIA

Educar é tarefa primordial do Estado, é de alta ressonância para o bem comum, fator decisivo na diminuição dos problemas sociais. Seria ingênuo pensar que a escola sozinha pode resolver todos os problemas. É preciso recuperar a noção clássica de que o que educa é todo um modo de viver e fazer sociedade. Refletir sobre o “ser sociedade”, “fazer-se sociedade”, exige o desenvolvimento de uma cultura apoiada em valores éticos para a construção da cidadania.A cultura total de um povo é reflexo das suas realizações, das suas políticas educativas, das suas construções significativas ao longo do tempo. Dependendo do seu sinal negativo ou positivo, esta construção permite a boa colheita como em terra cultivada. A cultura como fruto do artifício humano é o que educa. Necessita-se de uma genuína sociedade educadora. Isto significa mais do que ter boas escolas. A sociedade deve ter uma abordagem abrangente para o problema social.
A cultura tem uma influência educadora imensa. Sorokin ensina que “a totalidade dos significados, valores e normas possuídos por indivíduos ou grupos constitui a sua cultura ideológica; a totalidade de suas ações significativas, através das quais se manifestam e realizam os puros significados-valores-normas, representa a sua cultura comportamental; e a totalidade de todos os outros veículos, os objetos e energias materiais e biofísicos por meio dos quais se externa, consolida e socializa a sua cultura ideológica, forma a sua cultura material. Deste modo, a cultura empírica total de uma pessoa ou grupo é composta desses três níveis culturais, o ideológico, o comportamental e o material.”
Cidadania consciente exige criar “capital social”, isto é, melhorar o grau de cooperação e generosidade para atender necessidades dos outros; desenvolver “uma sociedade com um sentido do bem comum, com uma moral social e espírito público, e com uma viva memória de seu próprio passado cultural”. Jorge Lacerda, em inúmeros discursos na Câmara dos Deputados, destacava que “a história nos ensina que as forças materiais das nações também se nutrem das resistências do espírito, forjadas pela cultura, mercê das quais o seu poder de sobrevivência tem superado o impacto das catástrofes. (...) De nada valem as nações, perante a história, se não souberem legar à posteridade uma luminosa mensagem de cultura!”
A escola é fator importante, no entanto, o papel da cultura é decisivo. A cultura negativa pode tornar ineficaz a ação educativa, como uma gota d’água pura jogada num rio poluído. Francisco Campos na sua “Oração à Bandeira” faz pensar: “A pátria não é, porém, apenas uma dádiva do céu. Os homens constroem a sua pátria como os pássaros o seu ninho; os térmitas fazem as suas cidades de mistérios e de silêncio; os rios, seu curso; e o coral, seus arquipélagos de sonho. Cada uma dessas construções representa esforço, trabalho, sacrifício, tenacidade na luta, obstinação no instinto ou na vontade, continuidade na ação e, nas construções humanas, as difíceis e raras virtudes de modéstia na grandeza, de desinteresse, de disciplina, de humildade, porque a construção da pátria pelos homens é uma construção no tempo para a eternidade.” Da mesma forma a cidadania requer construir uma cultura autêntica, em cada lar, em cada escola, no ambiente do comércio, no estúdio, na conversa do cabeleireiro, no meio do trânsito...
No âmbito dos valores morais, não ocorre como no progresso tecnológico, em que uma geração entrega mais conhecimento e melhores técnicas às outras. Cada geração necessita construir, com sua liberdade, as próprias virtudes frente às suas circunstâncias. A responsabilidade de umas gerações com relação às seguintes é grande, porquanto se pode ouvir dos mais novos: “Nossa herança nos foi deixada sem testamento algum”.Uma das dificuldades apontadas por Hannah Arendt é o fato de que na pós-modernidade rompeu-se com todas as tradições. O grotesco afastamento dos valores morais mais elementares, a banalização do mal, o espalhar-se da mentira como modo de fazer política, o chamar de virtude ao inominável, ela explica: “Pois, o que mais além do desespero, poderia ter inspirado a asserção de Tocqueville de que ‘desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro a mente vagueia na escuridão’”. De perene validade é o conselho de Lacerda: “Corre-nos, por conseguinte o grave dever, neste momento de suscitar a reabilitação dos valores do espírito e propagá-los mais amplamente no seio da sociedade.”

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