terça-feira, 22 de abril de 2008

Artigo publicado em: 22/04/2008

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Democracia esclarecida e cidadania
Vale considerar a índole constitutiva do povo brasileiro, propensa à democracia étnica natural, que levou, há tempos, Gilberto Amado a vislumbrar o Brasil como: “a primeira grande experiência que faz na história moderna a espécie humana, para criar um grande país independente, dirigindo-se por si mesmo, debaixo dos trópicos.”
A cordialidade temperamental não é suficiente para forjar o caráter virtuoso de uma democracia esclarecida, voltada para o bem comum. Necessária é a intencionalidade política educativa, aproveitando tal condição favorável. A participação social esclarecida se constrói através dos conhecimentos, hábitos e valores de cidadania, compartilhados socialmente.
As disputas políticas podem ser construtivas, o que se deve evitar são os antagonismos arbitrários. O exemplo de pugnas legítimas deve vir, em primeiro lugar, dos representantes públicos. Na proximidade das eleições permita-se considerar o pensamento do ex-governador catarinense Jorge Lacerda: “Os êxitos políticos, que nas democracias costumam revesar-se através dos periódicos pronunciamentos das pugnas eleitorais, não devem constituir uma finalidade em si mesmos, mas sim, um instrumento superior para a realização de planos administrativos que consultem efetivamente os anseios e os ideais das coletividades.”
Os pontos de vista divergentes são necessários para a construção democrática, porquanto esta requer a conscientização de todos e cada um dos indivíduos para o respeito às opiniões legítimas dos outros. O diálogo construtivo e a compreensão das ideologias em conflito desenvolve a cultura cidadã. As controvérsias, “combatendo-se no terreno dos interesses contingentes, e completando-se na esfera dos deveres superiores”, caracterizam, como queria Rui Barbosa, a verdadeira democracia.
O governo democrático é essencialmente dialógico, exige abertura para aprender e somente quem sabe aprender, governa. Princípio-chave é o da promoção de políticas de aprendizagem e mobilização social, de modo que, cidadãos de um município cresçam em envolvimento, em maior responsabilidade para solução dos problemas. A abordagem decisiva é a do municipalismo bem esclarecido, que exige que prefeitos tenham capacidade de interação e de mobilização de pessoas e instituições em favor da solução dos problemas da educação, da violência, da droga etc. No IV Congresso Nacional de Municípios o ex-governador catarinense esclarecia: “É o sentido exato do municipalismo, que não significa o insulamento nos quadros estreitos dos âmbitos locais. Assinalava T. S. Elliot, que o organismo espiritual de uma nação é a integração natural e espontânea das expressões e realidades de um país. E é importante, dizia ele, que um homem se sinta não apenas cidadão de determinada parte de seu país, com lealdades locais”.
A escolha judiciosa dos representantes públicos contribui para a renovação política. Trata-se de favorecer aqueles cuja prática cidadã seja rica em valores democráticos. Critério válido é o de priorizar o voto àqueles que estão comprometidos com o respeito e responsabilidade sociais. A democracia esclarecida exige escolher candidatos com espírito ético, comprometidos com as causas sociais e com capacidade de aceitação das críticas construtivas. Foi critério acertado de Lacerda, que recolhia como colaboração as críticas que porventura se formulassem à sua ação administrativa, pois deseja “a análise vigilante da atividade governamental”. Recebia, igualmente, com prazer, sugestões que se traduzissem em planos ou programas de trabalho.
Lacerda tinha um ideal claro, que devemos perseguir em todo candidato a cargo público: “Ao término do meu mandato, menos me lisonjearão as referências a empreendimentos materiais e culturais que lograr concluir, do que as que espero que façam, mercê de Deus, a um governo que prezou a Justiça e defendeu a Liberdade.”

terça-feira, 8 de abril de 2008

Artigo publicado em: 08/04/2008

Subordinar a técnica aos valores do espírito

Ao homem atual obscureceu-se a compreensão da sua própria existência. Outrora, dúvidas não se punham sobre a sua natureza espiritual-corpórea, em unidade de ser. Hoje ao contrário, encontra-se no meio do mundo, desorientado, fazendo crer nas palavras do escritor: “O homem moderno perdeu o endereço de Deus”.
Para chegar ao conhecimento sobre a sua natureza, não é necessário que se empregue uma espistemologia da fé. Rigorosamente científico é o caminho que, partindo dos fatos, da realidade, da observação ou do fenômeno psicológico, percebe-se que este ser: pelo que faz e como faz, pelo que pensa e como pensa, pelo que sente e como sente, pelo que percebe como bem e como mal e como o realiza e o evita; é um ser vivente dotado de propriedades que ultrapassam a realidade puramente material-corpórea.
Essa natureza transcendente, isto é, que diz respeito ao âmbito espiritual, não se confunde com os conceitos de energia, de força vital, de matéria, de impulsos neuronais, de mentalismo etc. Explicar tal transcendência exige distinguir entre o ser humano e ser matéria. Este passo cognitivo não exige um ato de fé pura, uma adesão a uma verdade que não tem luz intrínseca e é revelada por outrem de cabal autoridade. Apenas é preciso respeitar a realidade da observação e pôr-se fenomenologicamente diante do comportamento humano e aceitar a evidência das suas propriedades espirituais, que lhe conferem uma dignidade absoluta. O universo material inteiro, somado, não é suficiente para sobrepujar o valor intrínseco de tal ser.
Ao tratar da dignidade absoluta do ser humano, esclarece-se que ela não pode ser negociada, condicionada, aviltada, tripudiada em nenhuma circunstância. Trata-se de uma dignidade simpliciter: sem condições. A dignidade que aí está independe do cognoscente. É tal, que exige o respeito de toda a sociedade e de cada um dos indivíduos.
Ali onde houver uma existência humana, seja na sua forma visível evidente, como ainda em gérmen, grave é o dever de lhe prestar a assistência. A dignidade humana ultrapassa o pobre equacionamento dos homens, pois a adquire pelo fato simples de existir. O fundamento desta dignidade não surge à posteriori, porque a sociedade assim decide, mas pela realidade do fenômeno existencial. Caso contrário, seria ditado de forma arbitrária, em dependência de outros fatores contingentes. Esta dignidade exige do Estado uma defesa a altura da sua dimensão e importância sociais.
As convicções religiosas legítimas, defendendo os valores humanos universais, proporcionam argumentos fortes para a defesa dos valores democráticos. Não se pode desprezá-las. Por outro lado, qualquer ato político ou decisão de chefe de Estado, deve pautar-se pelo respeito e pela responsabilidade na defesa dos direitos elementares da existência humana. São qualidades-chave, condição sine-qua-non, para a sustentabilidade democrática, virtudes que não podem estar somente nas disposições teóricas, mas na vida de todos, porque uma democracia sobrevive se os seus cidadãos se comprometem a construí-la, tendo-as como fundamento. Na mente do governante, revela-se a dúvida sobre a dignidade do ser humano, ao omitir-se na aplicação dos meios, para que todos a compreendam na sua radicalidade e possam atuar de acordo. Jorge Lacerda afirmava “que o futuro será o que a educação entender que ele seja”. Quando a autoridade carece de critério sobre os conceitos de dignidade humana e oferece uma técnica que resolve utilitariamente os problemas da sociedade, atua contra ela, já que o seu maior bem, não são as técnicas, mas sobretudo a garantia do respeito ao ser humano desde a sua concepção. Isto é o que confere à sociedade como um todo, sua grandeza e dignidade.
A vida humana não pode ser instrumentalizada, como mercadoria ou massa biológica, nem subordinada a razões de utilidade, porque sua dignidade transcende ao efêmero dos acontecimentos mundanos.
Subordinar a técnica aos valores do espírito, tal como Lacerda orientava: “impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!” A técnica, não ganha salvo conduto por dar melhores resultados socioeconômicos, mas, sobretudo ao promover e defender a radical dignidade do ser humano, que além de ser social é um ser espiritual! Não pode ser tratado, em nenhum momento, desde a sua concepção, como objeto. Porquanto, ao se desenvolver a sensibilidade dos indivíduos sobre sua própria dignidade, melhor se cultivará o respeito e a responsabilidade na construção da democracia.