terça-feira, 8 de abril de 2008

Artigo publicado em: 08/04/2008

Subordinar a técnica aos valores do espírito

Ao homem atual obscureceu-se a compreensão da sua própria existência. Outrora, dúvidas não se punham sobre a sua natureza espiritual-corpórea, em unidade de ser. Hoje ao contrário, encontra-se no meio do mundo, desorientado, fazendo crer nas palavras do escritor: “O homem moderno perdeu o endereço de Deus”.
Para chegar ao conhecimento sobre a sua natureza, não é necessário que se empregue uma espistemologia da fé. Rigorosamente científico é o caminho que, partindo dos fatos, da realidade, da observação ou do fenômeno psicológico, percebe-se que este ser: pelo que faz e como faz, pelo que pensa e como pensa, pelo que sente e como sente, pelo que percebe como bem e como mal e como o realiza e o evita; é um ser vivente dotado de propriedades que ultrapassam a realidade puramente material-corpórea.
Essa natureza transcendente, isto é, que diz respeito ao âmbito espiritual, não se confunde com os conceitos de energia, de força vital, de matéria, de impulsos neuronais, de mentalismo etc. Explicar tal transcendência exige distinguir entre o ser humano e ser matéria. Este passo cognitivo não exige um ato de fé pura, uma adesão a uma verdade que não tem luz intrínseca e é revelada por outrem de cabal autoridade. Apenas é preciso respeitar a realidade da observação e pôr-se fenomenologicamente diante do comportamento humano e aceitar a evidência das suas propriedades espirituais, que lhe conferem uma dignidade absoluta. O universo material inteiro, somado, não é suficiente para sobrepujar o valor intrínseco de tal ser.
Ao tratar da dignidade absoluta do ser humano, esclarece-se que ela não pode ser negociada, condicionada, aviltada, tripudiada em nenhuma circunstância. Trata-se de uma dignidade simpliciter: sem condições. A dignidade que aí está independe do cognoscente. É tal, que exige o respeito de toda a sociedade e de cada um dos indivíduos.
Ali onde houver uma existência humana, seja na sua forma visível evidente, como ainda em gérmen, grave é o dever de lhe prestar a assistência. A dignidade humana ultrapassa o pobre equacionamento dos homens, pois a adquire pelo fato simples de existir. O fundamento desta dignidade não surge à posteriori, porque a sociedade assim decide, mas pela realidade do fenômeno existencial. Caso contrário, seria ditado de forma arbitrária, em dependência de outros fatores contingentes. Esta dignidade exige do Estado uma defesa a altura da sua dimensão e importância sociais.
As convicções religiosas legítimas, defendendo os valores humanos universais, proporcionam argumentos fortes para a defesa dos valores democráticos. Não se pode desprezá-las. Por outro lado, qualquer ato político ou decisão de chefe de Estado, deve pautar-se pelo respeito e pela responsabilidade na defesa dos direitos elementares da existência humana. São qualidades-chave, condição sine-qua-non, para a sustentabilidade democrática, virtudes que não podem estar somente nas disposições teóricas, mas na vida de todos, porque uma democracia sobrevive se os seus cidadãos se comprometem a construí-la, tendo-as como fundamento. Na mente do governante, revela-se a dúvida sobre a dignidade do ser humano, ao omitir-se na aplicação dos meios, para que todos a compreendam na sua radicalidade e possam atuar de acordo. Jorge Lacerda afirmava “que o futuro será o que a educação entender que ele seja”. Quando a autoridade carece de critério sobre os conceitos de dignidade humana e oferece uma técnica que resolve utilitariamente os problemas da sociedade, atua contra ela, já que o seu maior bem, não são as técnicas, mas sobretudo a garantia do respeito ao ser humano desde a sua concepção. Isto é o que confere à sociedade como um todo, sua grandeza e dignidade.
A vida humana não pode ser instrumentalizada, como mercadoria ou massa biológica, nem subordinada a razões de utilidade, porque sua dignidade transcende ao efêmero dos acontecimentos mundanos.
Subordinar a técnica aos valores do espírito, tal como Lacerda orientava: “impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!” A técnica, não ganha salvo conduto por dar melhores resultados socioeconômicos, mas, sobretudo ao promover e defender a radical dignidade do ser humano, que além de ser social é um ser espiritual! Não pode ser tratado, em nenhum momento, desde a sua concepção, como objeto. Porquanto, ao se desenvolver a sensibilidade dos indivíduos sobre sua própria dignidade, melhor se cultivará o respeito e a responsabilidade na construção da democracia.

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