sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Artigo publicado em: 07/11/2008


Missão da Escola e Valores



Dolorosos são os aspectos retratados no documentário: “Pro dia nascer feliz” do diretor João Jardim, editado pala Globo Vídeo. Revela os diversos sintomas da doença crônica que padece a educação no Brasil. Como resultado da sua apresentação e discussões com grupos de professores, diretores de escolas e pesquisadores, convergiram na identificação das causas como sendo a crise de identidade da escola e a ausência da família. No Projeto Político Pedagógico (PPP) ainda que se definam aspectos da educação em valores ético-sociais, são ineficazes em comprometer a direção da escola, os professores, as famílias e os alunos em compartilhar e promover os valores básicos da convivência social, como são o respeito e a responsabilidade. Este estado de coisas é agravado pela legislação permissiva do ensino público que permite ao professor excessivas faltas e a sua desmotivação.
Há escolas empenhadas em estabelecer no seu PPP as bases para a educação dos valores morais. Para isto é necessário definir a missão como a contribuição que a escola faz às famílias, aos alunos e à sociedade. Essa missão deve caracterizar a identidade do centro educativo, no entanto fica no papel, pois precisa ser compartilhada entre todos os afetados pela vida da escola: diretores, professores, colaboradores em geral, famílias, alunos e outros grupos de interesse comunitário. Este envolvimento é crucial para dar vida a uma missão escolar e exige que em cada nível haja comprometimento, inclusão e participação das missões compartilhadas para alavancar a missão geral da instituição.
A missão do órgão educativo define o porquê da sua existência, dá sentido e significado a todas as suas ações. Uma missão sem objetivos mensuráveis torna-se uma missão morta e os objetivos mensuráveis sem missão compartilhada são cegos. Os valores são os que definem como será atingida a missão escolar. Os valores representam a bússola que orienta a tomada de decisão em todos os níveis e por isso é necessário um forte compartilhamento especialmente entre direção, professorado e famílias.
Alguns valores educativos se referem às características técnicas da aprendizagem e outros se referem aos valores morais a serem desenvolvidos no processo de ensino-aprendizagem. As virtudes morais constituem o núcleo dos valores comportamentais que constroem a cultura da instituição.
Educar de acordo com valores requer um trabalho de alinhamento entre os ideais previstos no PPP com as práticas administrativas e pedagógicas em todos os níveis da ação escolar. A limpeza, os objetos, a arrumação são elementos de um projeto que refletem uma intencionalidade educativa. A cultura escolar revela-se externamente pelo cuidado material, pelo clima de amizade, pela cooperação entre professores e pelo interesse da direção sobre o andamento de todos e cada um dos seus professores e alunos. É o fruto de um forte compromisso com a vivência dos valores éticos de cada um dos dirigentes e professores.
A missão e valores compartilhados requerem o comprometimento entre escola e família com a mesma harmonia do movimento dos remos de uma embarcação. Esta é a chave do resultado educativo conseguido por escolas com poucos recursos materiais que o suprem pelo comprometimento das pessoas. As missões compartilhadas necessitam de pessoas responsáveis em cada nível institucional para a sua execução e promoção do envolvimento geral.
Promover a virtude constitui o significado da educação, porquanto as qualidades humanas mais básicas são responsáveis em tornar melhor o ser humano. As virtudes são os hábitos dirigidos ao bem viver, como são as virtudes clássicas da prudência: reitora do modo de decidir, da justiça: saber dar a cada o que é devido, da moderação: agir com autocontrole e a fortaleza: capacidade de empreender e resistir pelo bem. Estas virtudes podem permear a cultura do centro educativo tornando-se a alma da instituição.
O que é apresentado no documentário propicia uma reflexão sobre a construção do PPP e o cuidado em definir a missão como contribuição do centro educativo a todos e a cada um dos afetados pela sua atividade. A missão necessita de valores orientadores para sua consecução e ao mesmo tempo devem ser compartilhados entre todos. O resgate do valor da virtude pode ser um meio ótimo para ensinar a praticar o respeito e a responsabilidade em nossas escolas. A cultura reitora do desenvolvimento das virtudes pode ser o caminho para promover o bem comum e diminuir os impactos da violência na vida escolar.
De perene validade é o conselho de Jorge Lacerda: “Corre-nos, por conseguinte o grave dever, neste momento de suscitar a reabilitação dos valores do espírito e propagá-los mais amplamente no seio da sociedade.”

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Artigo publicado em: 06/10/2008

MENSAGEM DE ANGÚSTIA

Jorge Lacerda
Democracia e Nação


Senhor Presidente, tive oportunidade, por várias vezes, de trazer ao conhecimento da Câmara dos Deputados, alguns aspectos desoladores suscitados pela indústria carbonífera, no Sul de Santa Catarina. Municípios que produzem ou beneficiam o carvão, quase nada recebem em troca, pela riqueza oferecida ao país. É-lhes vedado, como se sabe, estabelecer qualquer taxa sobre o carvão produzido ou beneficiado. Do tributo existente, arrecadado pela União, quase nada lhes é destinado, como determina a lei.
A mineração revolve-lhes inteiramente o solo. Com as chuvas, os detritos do carvão são carreados para os rios, cujas águas, nas periódicas enchentes, vão inutilizar os campos e comprometer as lavouras. Os vales, outrora ricos e opulentos, se desfiguram num espetáculo de penúria.
Melhor fora não contar Santa Catarina com o carvão, a tê-lo, assim, com esse cortejo de flagelos: a esterilização da terra, a ascensão dos índices de mortalidade infantil, da tuberculose e de outras moléstias, o drama dos mineiros, no fundo das minas úmidas, a inquietação dos mineradores, e a angústia dos lavradores, que, paradoxalmente, amaldiçoam as enchentes, porque no bojo delas sobe, não o que fertiliza, mas a pirita, que calcina o solo.
Fomos a primeira voz a denunciar, nesta Casa, os aspectos pungentes dessa paisagem social e humana — até então inéditos em terras catarinenses — gerados pela mineração do carvão.
Senhor Presidente, desejo, agora, assinalar os sofrimentos de certa região catarinense, a Madre, no município de Tubarão. Banhada pelo rio Tubarão, era famosa pelos seus campos, em que pastavam 60.000 cabeças de gado. Célebres eram o queijo e a manteiga que produzia. O rio, bastante piscoso, fornecia peixe, em tal abundância, que, não só abastecia a localidade, como as regiões vizinhas. A Madre é, praticamente, uma extensa rua, densamente povoada, de cerca de 17 quilômetros, que perlonga o sinuoso rio Tubarão. Recordavam-me os seus moradores, quando lá estive a última vez, os bons tempos em que lançavam suas tarrafas nas águas do rio, e recolhiam, em quantidade, o peixe que nunca faltou nas mesas mais modestas.
Com uma simples tarrafada fazia-se uma boa refeição para a família inteira — dizia-me um velho habitante da Madre. A produção do camarão, pescado na vizinha lagoa da cidade de Laguna, onde desemboca o rio Tubarão, era calculada em Cr$ 15.000.000,00. Hoje, tudo se transformou. O próprio rio mudou de nome, ali na Madre. Passou a ser chamado rio Seco ou rio Morto. As pastagens vão desaparecendo. A água potável, a população vai buscá-la a quilômetros de distância. A água potável, de antigamente, se tornou salobra, no fundo dos poços, pela infiltração dos resíduos do carvão. Os peixes sumiram.
A Madre — que recebera do destino as águas que fertilizavam as terras, e os peixes que alimentavam as famílias — recolhe, agora, pela imprevidência e cupidez dos homens, os detritos do carvão, que contaminam os rios e devastam as várzeas. As enchentes, que eram bênçãos dos céus, naquele vale fecundo, converteram-se em flagelo.
Como desejaria a Madre que se lhe restituísse a tranqüilidade de outrora! Nada mais aspiraria, senão àquilo que já lhe pertencia, por uma dádiva da natureza.
Esse problema, infelizmente, não se circunscreve, apenas, a essa região, mas a várias outras, no Sul catarinense, assoladas, igualmente pelas águas, que carregam os resíduos piritosos do minério.
Cabe ao poder público estudar e resolver o problema, que assume proporções de verdadeira calamidade.
Durante os debates travados nesta Casa, em torno do Plano do Carvão Nacional, logramos obter, através de emenda de nossa autoria, uma dotação de Cr$ 15.000.000,00, destinada a obras de assistência social, naquela área carbonífera, e cuja aplicação foi confiada às mãos honradas do Presidente da Comissão Executiva daquele plano, C.el Pinto da Veiga. Esses recursos são, entretanto, para hospitais, creches, postos de saúde. E o problema, que venho focalizando, é de maior envergadura.
Sr. Presidente, é inacreditável que, para explorarmos, em nosso país, apenas 2 milhões de toneladas anuais de carvão, tenhamos de testemunhar tanta desgraça resultante da desídia dos poderes públicos. Imaginemos, então, se o Brasil produzisse, como os Estados Unidos, setecentos milhões de toneladas de carvão, isto é, trezentas e cinqüenta vezes mais. O que nos aconteceria? Entretanto, nos Estados Unidos, como em qualquer país europeu ou asiático, a indústria carbonífera, pelas cautelas que lá são tomadas, não gera as tristes conseqüências que aqui presenciamos.
Só no Brasil, desgraçadamente, é que domina uma tal política de imprevidência. Como certos povos primitivos, derrubamos as árvores, para comer-lhes os frutos.
Saqueamos a terra, expropriando-lhe as riquezas, sem que nos preocupem as angústias das populações, decorrentes dessa nossa empreitada sinistra, de verdadeiros vândalos do solo.
É o Brasil em plena autofagia.
Sr. Presidente, não é justo, portanto, que uma região, que vivia tranqüila, nos seus misteres da lavoura e da pesca, venha sofrer, pelo descaso dos governos, os efeitos nefastos de uma exploração voraz e inconsciente das riquezas do nosso subsolo. Riquezas que, paradoxalmente, depauperam as zonas de que são extraídas.
Esta é a mensagem de angústia, que transmito à Câmara dos Deputados, em nome, não só da população da Madre, como de outras regiões sofredoras do Sul de Santa Catarina.

LACERDA, J. In.: CORREA, Nereu (Org). Democracia e Nação: Discursos Políticos e Literários. Rio de Janeiro: Ed. J. Olympio, 1960. p. 83-86.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Artigo publicado em: 19/09/2008

A universidade e a verdade


Este artigo também foi publicado no Jornal Gazeta do Povo, para visualizá-lo CLIQUE AQUI.

A universidade desde a sua origem teve como objetivo buscar respostas sobre a verdade e Sócrates é considerado na cultura ocidental como o precursor do espírito universitário pelo amor à verdade. Platão, nos diálogos em que Sócrates é o seu porta-voz, sistematicamente refere-se à verdade das coisas e da existência humana. Na disputa de Sócrates com Eutifrone, sobre a questão da piedade e o culto aos deuses mitológicos, Sócrates o questiona sobre a veracidade da existência daqueles deuses tal como crê Eutifrone, e o interpela: “Tu acreditas que entre os deuses exista realmente uma guerra recíproca e terríveis inimizades e combates (...). Teremos nós, Eutifrone, de afirmar que tudo isto é verdade?”. Há neste questionamento a disposição da procura da verdade, tendo como fim o aperfeiçoamento do conhecimento.
O conhecimento da verdade, na perspectiva clássica grega, do século IV a.C., não se dá separada da busca do bem. Conhecer a verdade corresponde ao que denominavam de theoria, no entanto a verdade não é só teórica, pois de acordo com Papa Bento XVI: “verdade significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem como finalidade o conhecimento do bem. Este é também o sentido do questionar socrático: qual é o bem que nos torna verdadeiros?”
A universidade na sua hora inaugural compunha-se das faculdades de Filosofia, Teologia, Direito e Medicina. A de Medicina foi incluída posteriormente às outras, pois era considerada como arte e não propriamente ciência, porquanto se propôs realizar a cura das doenças – não de acordo com crendices ou magias, mas segundo a razão.
Como as relações entre a prática e teoria requeriam concretizações sobre as formas de aplicar a justiça e limitar a liberdade individual, destas questões incumbiu-se a Faculdade de Jurisprudência. Bento XVI, no discurso que seria proferido na Universidade de La Sapienza, refere-se à necessidade de uma forma razoável para se encontrar as soluções dos problemas da sociedade. Propõe a reflexão sobre o processo de argumentação, sobre as questões de justiça, que deve ser sensível à verdade: “Na minha opinião, Jürgen Habermas exprime um vasto consenso do pensamento contemporâneo quando afirma que a legitimidade de uma carta constitucional, como pressuposto da legalidade, derivaria de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma razoável como são resolvidos os contrastes políticos.” A propósito da referida “forma razoável”, observa ele que a mesma não pode ser somente uma luta por maiorias aritméticas, mas há-de caracterizar-se como um “processo de argumentação sensível à verdade”.
O propósito da universidade é o de promover o crescimento na sensibilidade pela verdade, para isso necessita da autonomia da ciência em relação aos interesses utilitários do poder. A ciência deve se subordinar à verdade, e na Universidade Medieval as Faculdades de Filosofia e de Teologia cumpriam esta função ao refletir sobre o bem do homem em sua totalidade. Bento XVI esclarece que: a “Faculdade de Filosofia tinha sido somente propedêutica à teologia e tornou-se (a partir da incorporação dos escritos de Aristóteles no século XII) uma verdadeira e própria Faculdade, um parceiro autônomo da teologia e da fé nela refletida.”
Desde o início a universidade refletiu sobre a totalidade do bem que provém da verdade, tendo a filosofia desempenhado um papel primordial nesta tarefa. Bento XVI também esclarece sobre o perigo ao se separar a ciência da busca da verdade: “O perigo do mundo ocidental para falar somente dele é que o homem hoje, precisamente à vista da grandeza do seu saber e do seu poder, desista diante da questão da verdade; significando isto ao mesmo tempo que, no fim de contas, a razão cede face à pressão dos interesses e à atração da utilidade, obrigada a reconhecê-la como critério derradeiro”.
Na concepção de Jorge Lacerda, ex-governador catarinense, a universidade para sê-la verdadeiramente, deve estar fundada num estatuto mais profundo que é a busca da verdade, de modo que as faculdades ou ciências específicas estejam “fundidas entre si por aquele estatuto muito mais importante que se escreve nos corações pelo milagre diário da colaboração e da convivência de homens de tão diferentes temperamentos, de tão diversas tendências, de tão vários interesses. Existe entidade universitária quando os homens, pela convivência diária, se tornaram real humanidade; e quando essa humanidade, transcendendo-se, se torna a um tempo amor e pensamento.”

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo publicado em: 01/09/2008

EMPREENDEDORISMO


Os empreendimentos chegam à sua grandeza a partir da chama e da visão que se tem desde o seu ponto de partida. Jorge Lacerda, ex-governador catarinense, destacava a importância de forjar o caráter empreendedor e explicava: “porque o grande heroísmo do homem é justamente manter-se de pé no fragor das batalhas a que se vê lançado, como aqueles carvalhos majestosos em meio à fúria das tempestades que se abatem sobre as florestas.”[1] Da mesma forma o empreendedor deve ter em conta as dificuldades em cada etapa de qualquer atividade humana como são: o tempo de preparar a terra, de adubar, de semear, de cuidar do campo, de colher e de armazenar. Ao descuidar dos pequenos esforços, justificar-se-ia aquela máxima: “Erraste o caminho se desprezas as coisas pequenas.[2]” Concordo com Escrivá quando diz também que: “Não esqueças que, na terra, tudo o que é grande começou por ser pequeno. - O que nasce grande é monstruoso e morre.”[3]
Estes passos são fruto da sabedoria humana armazenada ao longo da história. Quem é que não calcula antes de começar a construir, não é verdade que depois as pessoas que vêem a casa meio terminar passam por ali e caçoam do sujeito: que pessoa imprevidente! Começou a construir e não terminou! Quem é que não usa a regra do carpinteiro? Medir duas vezes e cortar uma só! Hoje infelizmente no Brasil mesmo sendo necessária a atividade do empreendedor para gerar riqueza e novas frentes de trabalho, sobra-lhe arrojo que o leva tantas vezes à temeridade, pois ele não se debruça para conhecer bem a área de trabalho, o mercado, os fatores negativos e os possíveis riscos. É necessário difundir os conhecimentos mínimos para iniciar o processo de gestação do empreendedor que é feita de virtudes: a prudência para melhorar o seu processo de tomada de decisões, a justiça para ser integro no serviço a todos implicados com a sua atividade, a temperança que possibilita o autocontrole, pois sem ele facilmente se perde o controle de qualquer empreendimento e a fortaleza para ser audaz e magnânimo – ter alma grande e metas grandes -, ser resistente às dificuldades que se interponham no seu caminho.
Um pensamento muito sugestivo é: “Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? - Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. - E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. - E pedaços de ferro. - E operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas... Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente?... À força de pequenas coisas!” [4] Nele encerram-se grandes ensinamentos, pois primeiro é preciso ter em mente o projeto, no nosso caso o plano de negócio. Depois estar com os braços e a mente bem firmes para trabalhar com constância, cuidando de todos os detalhes até conseguir os resultados.
Tomás Edison deve ser o nosso inspirador! Por quê? Ele é o protótipo do empresário, começou em germe aquilo que chegou ao que é hoje a General Eletric, uma das maiores empresas do planeta. Também há razão de sobra no pensamento: “Não julgues nada pela pequenez dos começos. Uma vez fizeram-me notar que não se distinguem pelo tamanho as sementes que darão ervas anuais das que vão produzir árvores centenárias.”[5] Nós podemos começar uma atividade pequena, por que não? O valor desta atividade depende do “código genético” da sua arquitetura, isto é do espírito com que ela nasce. Dá para traduzir esse “código genético” como aquele fator de seguro crescimento que é a qualidade de “conhecimento” que se agrega à atividade, pelos aspectos inovadores implementados difíceis de serem imitados e pelo desenvolvimento de pessoas colocando-as no centro da atividade.
A riqueza dos empreendimentos depende, sobretudo das pessoas que as empreendem e hoje não basta somente intuição é preciso competência em virtude da grande concorrência. Mal você começa a fazer algo já haverá vinte pessoas querendo fazer o mesmo. Não dá para brincar, é preciso ser competente! Competência não se improvisa! As competências nada mais são que o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que você desenvolve e se torna o melhor ou pelo menos igual ao melhor no seu ramo. Como desenvolve-las? Veja! Todos nós temos áreas pessoais de incompetências ignoradas. Especialmente naquilo que pretendemos empreender e temos total desconhecimento, isto é: nem imaginamos o que pode vir a gerar problemas. Daí a importância de conhecer bem a área de negócio, ter mais informações, sair da cadeira do comodismo e dar uma volta por ai, perguntar e ler (hoje se lê ridiculamente pouco), informar-se e para isso é preciso a humildade de aprender. Com isto passamos de uma situação de verdadeira ignorância para um estado consciente dela, somente a partir disto podemos saber como trabalhar e empreender.
Há três coisas chaves no processo de desenvolvimento das competências do empreendedor: saber, querer e fazer. Sim! Há muita gente que sabe o que tem que fazer. Pergunto, mas faz? Ai é que as coisas se complicam! Do saber ao fazer é preciso desenvolver disposições para atacar as questões com objetividade, firmeza e perseverança. Até ai estamos a meio caminho, pois se trata de ganhar o hábito de empreendedorismo e este exige a prática constante como nos esportes. Querer levar para frente um empreendimento não pode custar menos que a prática de um esporte. Calcula-se antes e é preciso começar e recomeçar, uma e outra vez. Este é o espírito do esportista que não desiste fácil, não porque seja teimoso, mas porque acredita no seu projeto! Lembre-se que a melhor receita para fracassar é ter a expectativa do fracasso.
Ao ler a imprensa especializada em negócios encontramos o paradoxo: o da dificuldade no Brasil para se abrir uma nova empresa e a urgência de que surjam empreendedores. A seguir encontramos o grave problema da excessiva carga de impostos, que também inibe os novos negócios, pois ao começar, por ser ainda frágil a atividade está sujeita a todo tipo de doenças.
Lembro agora de um empresário que começou bem pequeno e hoje gera dezenas de empregos. Ele serve de testemunha porque este espírito empreendedor ele o tinha de outra forma, mas foi somente ao iniciar sua empresa é que o “vírus” pegou. Está batalhando e tem sido referência para os micro e pequenos empresários.
Portanto a palavra é de animo, mas ter em conta o mito de Prometeu e Epimeteu. A empreitada de Epimeteu, que era um titã, era nada mais nada menos que distribuir competências em um mundo recém feito pelos deuses para os diversos seres vivos. Epimeteu não era muito organizado e foi distribuindo as competências entre os vários animais especialmente para que houvesse equilíbrio entre a dotação de diferentes competências de modo que não ocorresse uma catástrofe. Os maiores não fossem tão rápidos, os mais vorazes não fossem herbívoros, etc. Ocorreu que chegou ao final do seu tempo de distribuição, que era de um dia, tendo já distribuído todas as competências ficou esquecido um ser denominado, nada menos que o homem. Ser frágil, totalmente indefeso, mal dotado, uma penúria! O que fazer? Procurou o irmão Prometeu e ele disse que iria resolver o assunto. Foi ao Olimpo onde se situavam os deuses. Entrou escondido e furtou o fogo de Vulcano (deus das técnicas) e a inteligência de Atena. Este fogo e inteligência tornariam, este ser tão indefeso, capaz de defender-se dos outros animais que possuíam garras, mandíbulas fortes, a pele grossa e estavam mais bem dotados para sobreviver às intempéries e não passar fome e também ser capaz de transformar a realidade através do trabalho. A inteligência e o fogo foram as competências-chave dadas ao homem para desenvolver-se, crescer e poder construir este mundo.
Hoje continua sendo o conhecimento o elemento chave, o fogo que produz as transformações e os empreendimentos verdadeiros. O Brasil precisa de muitos empreendedores, que trabalhem eticamente para construir a nação. Temos muitas frentes em que lutar há muita coisa por fazer, o país pode crescer e deve crescer muito, especialmente para eliminar as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres. A atitude que se propõe nestas considerações é proativa. Lacerda instigava a buscar nos exemplos dos desbravadores do Brasil, a coragem e o estímulo para a luta e o trabalho:

No começo, pois, tudo conspirou contra o desbravador nos seus primeiros arremessos pelo sertão adentro. A luta pela posse do meio não conheceu tréguas na sua agressividade. Daí essa energia inquebrantável que mais tarde se transformou em força criadora e trabalho construtivo, energia que vamos encontrar, não só nos nossos maiores, mas também, entre os humildes, na vida anônima do homem comum, símbolo de grandeza ignorada e resistência moral numa época de perturbadoras descrenças e fundos pessimismos.[6]

Paulo Sertek é consultor e autor dos livros:
Responsabilidade Social e Competência Interpessoal (Ibpex, 2006), Empreendedorismo (Ibpex, 2007) e Administração e Planejamento Estratégico ((Ibpex, 2007).

[1] Lacerda, Jorge. Democracia e Nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 143.
[2] Escrivá, Josemaria. Caminho. 9. ed. São Paulo: Quadrante. 1999, n. 816.
[3] id. n. 821.
[4] id. 823
[5] id. 820
[6] Lacerda, Jorge. id. p. 113.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Artigo publicado em: 11/08/2008

Prometeu e o jardim de Adônis
Platão no diálogo de Protágoras refere-se ao mito de Prometeu (o que pensa antes) e Epimeteu (o que pensa depois) para refletir sobre a questão da justiça. Conta-se que os deuses do Olimpo decidiram sobre a criação dos mortais e, depois de terem definido sobre os elementos necessários para essa criação, antes que viesse a luz do dia, era necessário completar a tarefa com a distribuição das qualidades para que estes seres pudessem sobreviver e se multiplicar. A esta tarefa foram incumbidos os irmãos Prometeu e Epimeteu; este preferiu fazer a distribuição e Prometeu verificaria o resultado. Epimeteu não era muito organizado e foi distribuindo as qualidades entre os vários animais especialmente para que houvesse equilíbrio entre a dotação de diferentes recursos, de modo que não ocorresse uma catástrofe. Convinha que os maiores não fossem tão rápidos e os mais vorazes não fossem herbívoros. Ocorreu que ao final do seu tempo de distribuição, antes que viesse a luz do dia, tendo já distribuído todas as competências, ficou esquecido o homem. Ser frágil, totalmente indefeso, mal dotado, uma penúria! O que fazer? Procurou o irmão Prometeu e ele disse que iria resolver o assunto. Foi ao Olimpo, a morada dos deuses, entrou astuciosamente e furtou o fogo de Vulcano (deus das técnicas) e a inteligência de Atena. A posse da inteligência e o domínio do fogo pelas técnicas tornariam o homem capaz de se defender dos outros animais que possuíam garras, mandíbulas fortes, pele grossa, e não passar fome sendo capaz de prover suas necessidades através do trabalho. No entanto, verificou-se que os homens não eram capazes de sobreviver sem a arte política, porquanto ao começarem a se agrupar, para se defender dos animais, logo começou a haver confusão e briga entre eles. As qualidades técnicas que receberam não eram suficientes para conseguirem viver em paz. Era necessária a sabedoria e a arte política. Zeus, ao considerar que a recém-criada humanidade iria se autodestruir, enviou seu mensageiro Hermes para lhes prover da arte política, tornando-os capazes da defesa da justiça e da liberdade, que são atributos dos deuses. Hermes interpela Zeus sobre como distribuir a justiça entre os homens, pois com relação às capacidades técnicas foram atribuídas de forma que se completassem mutuamente. Zeus foi taxativo em afirmar que a justiça deveria ser distribuída equitativamente entre todos, caso contrário não haveria paz.
O discurso político pode se transformar numa técnica cheia de falsidade quando a palavra é semeada mais para confundir do que para esclarecer. Por isso, Platão, no diálogo de Sócrates com Fedro sobre a verdade, se refere ao mito de Adônis (amante de Afrodite), morto num acidente de caça, e Zeus, a pedido dela, permite que Adônis ressurja do reino dos mortos durante a metade do ano. Os gregos comemoravam o ressurgimento de Adônis, semeando nos conhecidos “Jardins de Adônis”. Não eram verdadeiros jardins, porquanto durante os festejos colocavam-se sementes de fácil crescimento, em vasos dispostos nos lugares semelhantes a estufas, e as plantas cresciam rapidamente. Com a mesma brevidade que se desenvolviam, também feneciam.
No mito de Prometeu, verifica-se a insuficiência das competências técnicas, pois são potências cegas e requerem as qualidades do coração humano como são a sabedoria e a justiça. Não obstante, estas qualidades não se desenvolvem como as sementes dos jardins de Adônis, somente chegam aos frutos através de um trabalho perseverante. A educação política se faz através de exemplos de sacrifício e esforço continuados. A mentira dos jardins de Adônis desenvolve-se rapidamente na camuflagem das barbaridades realizadas nos recantos do poder com a manipulação da verdade fingindo-se defender os princípios de justiça e de liberdade.
Tesouro perene está no cultivo esforçado das virtudes políticas por todos os cidadãos e as estratégias utilitárias não transformam um grupo de pessoas em um povo com visão de futuro. “As nações sobrevivem na história, não pelos seus efêmeros empreendimentos materiais, mas, sobretudo, pela marca inapagável que sua cultura deixa na face do tempo”.
Temos de repudiar os poderosos que se nutrem da astúcia e artimanhas de Prometeu e semeiam a falsidade dos jardins de Adônis, porquanto os frutos da verdadeira democracia crescem sob o cultivo da Justiça e da Liberdade. Quanto deve fascinar a excelência da Justiça, como desejava Rui Barbosa: “mais alta que a coroa dos reis e tão pura quanto as coroas dos santos.”

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Artigo publicaod em: 04/08/2008

Empreendedorismo


Empreender exige prudência! "É prudente o que vê ao longe, o que é perspicaz e prevê com certeza através da incerteza dos acontecimentos". Empreender na direção errada significa correr muito, mas fora do caminho. Os grandes empreendedores destacam-se porque manuseiam mais conhecimentos que os demais e a realidade aparece cheia de possibilidades aos seus olhos por serem capazes de interpretá-la em um grande número de operações.
A inteligência criadora exige do empreendedor as etapas de qualquer atividade humana como o tempo de preparar a terra, semear, cuidar do campo, colher e armazenar. O seu descuido confirma a máxima: "Erraste o caminho se desprezas as coisas pequenas." Vem como luva à mão o conselho de São Josemaría Escrivá ao dizer: "Não esqueças que, na terra, tudo o que é grande começou por ser pequeno. O que nasce grande é monstruoso e morre."
Quem não calcula antes de construir é bem provável que não termine a sua casa e seja motivo justo de chacota. Hoje no Brasil, mesmo sendo necessária a atividade do empreendedor para gerar riqueza e novas frentes de trabalho, sobra-lhe arrojo que o leva tantas vezes à temeridade, porquanto não se detém para conhecer bem o mercado e os seus possíveis riscos.
É necessário difundir os conhecimentos mínimos para iniciar o processo de gestação do empreendedor forjado nas virtudes do caráter como são a prudência, para melhorar o seu processo de tomada de decisões, a justiça para ser íntegro no serviço a todos implicados com a sua atividade, a temperança que possibilita o autocontrole, pois sem ela facilmente se perde o domínio de qualquer empreendimento e a fortaleza para atuar com audácia e magnanimidade - capacidade das almas grandes e empreendem metas grandes - e simultaneamente faz resistir às dificuldades que se interpõem no seu caminho.
É muito sugestivo outro pensamento de Escrivá: "Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? - Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. - E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. - E pedaços de ferro. - E operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas... Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente?... À força de pequenas coisas!" Nele encerram-se grandes ensinamentos, pois primeiro é preciso ter em mente o plano de ação e depois estar com os braços e a mente bem firmes para trabalhar com constância, cuidando de todos os detalhes até conseguir os resultados.
Também há razão de sobra no pensamento: "Não julgues nada pela pequenez dos começos. Uma vez fizeram-me notar que não se distinguem pelo tamanho as sementes que darão ervas anuais das que vão produzir árvores centenárias." O valor de uma atividade depende do seu "código genético", da sua arquitetura, isto é, do espírito com que ela nasce. Esse "código genético" é a sua competência essencial, o que a distingue intrinsecamente das outras atividades como fator de crescimento seguro. Revela-se tal competência-chave pela qualidade do conhecimento que se agrega à atividade, pelos aspectos inovadores difíceis de serem imitados e pelo desenvolvimento das pessoas colocadas no cerne desta atividade.
Há três aspectos-chave para o crescimento das competências do empreendedor: saber, querer e fazer. Não é suficiente saber, pois do saber ao fazer é preciso desenvolver disposições para atacar as questões com objetividade, firmeza e perseverança. O empreendedor desenvolve-se na forja em que o fogo é o conhecimento e o trabalho árduo é o malho que configura a atividade.
O Brasil precisa de muitos empreendedores que trabalhem eticamente para construir a nação. Há muitas frentes em que lutar e há muita coisa por fazer, o país pode crescer e deve crescer muito e especialmente para eliminar as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres. A atitude que se pretende nestas considerações é proativa. Jorge Lacerda, governador catarinense, instigava a buscar nos desbravadores o exemplo de coragem, o estímulo para a luta e para o trabalho, dizia ele: "No começo, pois, tudo conspirou contra o desbravador nos seus primeiros arremessos pelo sertão adentro. A luta pela posse do meio não conheceu tréguas na sua agressividade. Daí essa energia inquebrantável que mais tarde se transformou em força criadora e trabalho construtivo, energia que vamos encontrar, não só nos nossos maiores, mas também, entre os humildes, na vida anônima do homem comum, símbolo de grandeza ignorada e resistência moral numa época de perturbadoras descrenças e fundos pessimismos."

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Artigo publicado em: 02/07/2008

Democracia e nação
Araci Asinelli da Luz e Paulo Sertek


“Os governos são como as montanhas: temos de guardar certa distância para vê-las em toda a sua majestade. As proximidades e paixões do momento cegam as vistas desarmadas de lentes de alcance. Só a perspectiva é que nos pode dar a nítida e exata visão da obra de um administrador.”
Este mês completaram-se 50 anos do desaparecimento de Jorge Lacerda, governador de Santa Catarina, em virtude de um acidente de avião em São José dos Pinhais. Também foram companheiros deste infortúnio o ex-presidente da República Nereu Ramos e Leoberto Leal, deputado federal. Com a perspectiva do tempo, vale ressaltar o que já se disse do governador catarinense: seu governo foi uma legítima escola de democracia. Jamais permitiu o menor arranhão às liberdades públicas e à livre manifestação do pensamento, mesmo quando este extravasava os limites do bom senso. As obras de arte genuínas se diferenciam das demais, na medida em que, com o passar do tempo, dão mais de si, não se esgotam, tornam-se perenes. Continuam atraindo as sucessivas gerações porque dão respostas novas. As outras obras, se esgotam, morrem, caem no esquecimento.
O mesmo, penso, se aplica à boa arte de governo. O bom governo de Lacerda continua influenciando a inteligência criadora nos tempos atuais. No entanto, para que haja o seu influxo no momento presente é necessária a difusão da memória histórica. Ao conhecer as experiências de outros, já que não podemos viver várias vidas, ampliam-se os horizontes próprios de sabedoria. Ao ler ou reler os discursos e as narrativas de vida, como as de Lacerda, dá-se o efeito análogo às obras de arte revisitadas, que produzem novas inspirações. O contato com as palavras referendadas por narrativas de vida evocam modelos de comportamento e oferecem conhecimentos novos, capazes de suscitar novas realidades.
No programa de doutorado em educação da UFPR, pesquisaram-se as contribuições de Jorge Lacerda para a educação tendo como objeto de estudo os seus discursos, encontrados no livro póstumo: Democracia e Nação, da editora José Olympio (1960), e as narrativas de vida, que em parte, encontram-se na biografia escrita por Cesar Pasold (1998): Jorge Lacerda – Uma vida muito especial, da editora da OAB catarinense.
Empregaram-se duas técnicas para identificar estas contribuições: a análise de conteúdo e a pesquisa narrativa, servindo-se da narratologia. Identificaram-se os conceitos subjacentes aos discursos e interpretaram-se os significados em função dos contextos narrativos. Verifica-se a atualidade dos ensinamentos através de conceitos e diretrizes replicáveis. Neste sentido, a obra lacerdiana, apresenta características plenamente válidas para a atualidade, no âmbito propriamente educativo, e em outros campos como o da cultura, da arte e da ciência política-administrativa.
Os discursos foram estudados por eixos temáticos, tais como: arte e cultura; educação, valores e interculturalidade; meios de comunicação; missão da universidade; visão de governo, nacionalidade e pátria e unidade econômico-sentimental. As análises permitiram encontrar alguns conceitos norteadores que perpassam as diversas falas e narrativas, podendo comprovar a realidade da analogia com as obras de arte perenes.
Tais conceitos norteadores foram identificados, como a subordinação da técnica aos valores do espírito, a cooperação social e cidadã, a missão da universidade, a visão de futuro e as raízes históricas, a defesa dos valores democráticos, a promoção da inteligência criadora, o diálogo intercultural, o desenvolvimento econômico e as relações entre capital e trabalho.
Os princípios nucleares que tornam perenes seus ensinamentos consistem na valorização do ser humano em sua liberdade e no compromisso com a prática da justiça social.
Adonias Filho, no prefácio do livro Democracia e Nação, refere-se ao ilustre catarinense: “(...) fixava a liberdade que sempre inunda como uma referência quase todos os discursos. Associando a liberdade à vocação criadora, situando-a como indispensável à inteligência, concluía por sua validade na área social como a mais ponderável na mecânica dos governos. Raros os estadistas que, fiéis a uma concepção ideológica, puderam afirmar como Jorge Lacerda: ‘meu governo presa a justiça e defende a liberdade.’ Não será preciso dizer, já agora, que foi um democrata.”
Revisitar os discursos e narrativas de vida de Jorge Lacerda e de outros brasileiros permite resgatar os conhecimentos provenientes da experiência e dar-lhes vida através da inteligência criadora.

Araci Asinelli da Luz é professora do doutorado em Educação da UFPR. (araciasinelli@hotmail.com)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Artigo publicado em: 19/05/2008

A missão da universidade
A universidade desde a sua hora inaugural no ocidente visou “formar profissionais e formar homens através da ciência”. Nem a preparação para as profissões pode ser seu fim exclusivo – para isto estão os cursos técnicos – nem tampouco se transformar exclusivamente em lugar para aprender a viver as virtudes. O que constitui sua identidade é o compromisso com a ciência. A universidade tem como função primordial construir conhecimento e difundi-lo na sociedade. O problema está em encontrar o ponto certo na aplicação dos saberes, tanto à profissão como à formação humana.
Ser eficaz no preparo para as profissões sempre foi seu grande desafio, porque em geral se distancia da realidade social e, fruto do relativismo, adota neutralidade em desenvolver as virtudes da dimensão político-social do ser humano.
Mais provável é que ela não resista à pressão do ambiente economicista vigente, pois se cobram resultados a curto prazo. Como a economia é um dos elementos-chave da vida humana, as forças econômicas pressionam a universidade para que dê resultados imediatos, em detrimento do seu compromisso com a ciência e a cultura. A universidade torna-se refém da rentabilidade econômica, que condiciona as políticas educacionais, as linhas de pesquisa e o tipo de ciência que se produz e se difunde.
A ciência não pode estar descolada da realidade, da práxis. Uma boa teoria parte da práxis e leva a uma boa prática. A tendência dos professores, pressionados pelos indicadores de produção científica, é a de fecharem-se na sua ciência e não encontrarem um modo de conectá-la à realidade social. Caem em dois possíveis males: no abstracionismo e no outro, proveniente do pensamento weberiano, no tecnicismo, que busca apenas a adequação dos meios a fins utilitários, escapando da sua compreensão qualquer fim transcendente da vida humana. Jorge Lacerda já alertava: “Sofre muito a humanidade de dois males: o dos homens bons, que não têm noção alguma das técnicas que deveriam empregar para que se torne mais eficiente a sua bondade, e o dos técnicos, em que se abalaram ou em que quase se perderam as qualidades humanas.”
Lacerda sustentava que: “o nosso ensino universitário é mister que se coloque a serviço do país, numa integração permanente em nossas realidades, libertando-se do seu sentido meramente utilitário, ou então abstrato, teórico, formalístico, para que se não distancie das suas altas finalidades, científicas e culturais, plasmadoras, de certo modo, da vida brasileira.” E que a universidade “deve ser, quanto possível, a par de um conjunto de escolas que transmitam conhecimento, um instituto de pesquisas voltado para todos os setores do saber humano; de que deve, a cada nova criação, interrogar-se não só sobre o valor científico, mas também sobre as suas condições de existência, sobre as aptidões do local que a requer”, sendo “a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.”
Vale a pena lembrar a tese platônica, no que se refere à ciência: “o mal consiste em separar e absolutizar uma parte da realidade. O mal consiste também – o que é outro aspecto da mesma questão – em privar de uma parte qualquer realidade, ou seja, em deixá-la incompleta.” Quanto maior a especialização do saber, maior deverá ser a preocupação do professor universitário em trabalhar, juntamente com outros, primeiro em áreas afins e depois com professores de outros campos do conhecimento.
Sócrates, modelo de mestre para a sociedade ocidental, “mostrou que o método do saber – método do professor e do aluno – é sempre o mesmo e tem dois momentos entrelaçados: o descobrimento da própria ignorância e o amor ao saber. Parecem momentos contraditórios, mas não são. Cada um leva sempre ao outro.” É necessário promover o espírito construtivo na universidade: construção do saber, construção do ser humano pautado pelos valores éticos, e a construção da profissão do professor “aprendiz e mestre”. Função do professor é “que cultive com paixão a ciência, tendo ao mesmo tempo o seu olhar posto, tanto nas profissões como na personalidade dos que cultiva.”O decisivo numa reforma universitária, mais do que atacar os problemas de estrutura, é fundamentá-la no compromisso ético, no profissionalismo e no espírito colaborativo dos seus professores.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Artigo publicado em: 22/04/2008

Este artigo também foi publicado no Jornal Gazeta do povo. Para acessá-lo no site do Jornal Gazeta clique aqui.


Democracia esclarecida e cidadania
Vale considerar a índole constitutiva do povo brasileiro, propensa à democracia étnica natural, que levou, há tempos, Gilberto Amado a vislumbrar o Brasil como: “a primeira grande experiência que faz na história moderna a espécie humana, para criar um grande país independente, dirigindo-se por si mesmo, debaixo dos trópicos.”
A cordialidade temperamental não é suficiente para forjar o caráter virtuoso de uma democracia esclarecida, voltada para o bem comum. Necessária é a intencionalidade política educativa, aproveitando tal condição favorável. A participação social esclarecida se constrói através dos conhecimentos, hábitos e valores de cidadania, compartilhados socialmente.
As disputas políticas podem ser construtivas, o que se deve evitar são os antagonismos arbitrários. O exemplo de pugnas legítimas deve vir, em primeiro lugar, dos representantes públicos. Na proximidade das eleições permita-se considerar o pensamento do ex-governador catarinense Jorge Lacerda: “Os êxitos políticos, que nas democracias costumam revesar-se através dos periódicos pronunciamentos das pugnas eleitorais, não devem constituir uma finalidade em si mesmos, mas sim, um instrumento superior para a realização de planos administrativos que consultem efetivamente os anseios e os ideais das coletividades.”
Os pontos de vista divergentes são necessários para a construção democrática, porquanto esta requer a conscientização de todos e cada um dos indivíduos para o respeito às opiniões legítimas dos outros. O diálogo construtivo e a compreensão das ideologias em conflito desenvolve a cultura cidadã. As controvérsias, “combatendo-se no terreno dos interesses contingentes, e completando-se na esfera dos deveres superiores”, caracterizam, como queria Rui Barbosa, a verdadeira democracia.
O governo democrático é essencialmente dialógico, exige abertura para aprender e somente quem sabe aprender, governa. Princípio-chave é o da promoção de políticas de aprendizagem e mobilização social, de modo que, cidadãos de um município cresçam em envolvimento, em maior responsabilidade para solução dos problemas. A abordagem decisiva é a do municipalismo bem esclarecido, que exige que prefeitos tenham capacidade de interação e de mobilização de pessoas e instituições em favor da solução dos problemas da educação, da violência, da droga etc. No IV Congresso Nacional de Municípios o ex-governador catarinense esclarecia: “É o sentido exato do municipalismo, que não significa o insulamento nos quadros estreitos dos âmbitos locais. Assinalava T. S. Elliot, que o organismo espiritual de uma nação é a integração natural e espontânea das expressões e realidades de um país. E é importante, dizia ele, que um homem se sinta não apenas cidadão de determinada parte de seu país, com lealdades locais”.
A escolha judiciosa dos representantes públicos contribui para a renovação política. Trata-se de favorecer aqueles cuja prática cidadã seja rica em valores democráticos. Critério válido é o de priorizar o voto àqueles que estão comprometidos com o respeito e responsabilidade sociais. A democracia esclarecida exige escolher candidatos com espírito ético, comprometidos com as causas sociais e com capacidade de aceitação das críticas construtivas. Foi critério acertado de Lacerda, que recolhia como colaboração as críticas que porventura se formulassem à sua ação administrativa, pois deseja “a análise vigilante da atividade governamental”. Recebia, igualmente, com prazer, sugestões que se traduzissem em planos ou programas de trabalho.
Lacerda tinha um ideal claro, que devemos perseguir em todo candidato a cargo público: “Ao término do meu mandato, menos me lisonjearão as referências a empreendimentos materiais e culturais que lograr concluir, do que as que espero que façam, mercê de Deus, a um governo que prezou a Justiça e defendeu a Liberdade.”

terça-feira, 8 de abril de 2008

Artigo publicado em: 08/04/2008

Subordinar a técnica aos valores do espírito

Ao homem atual obscureceu-se a compreensão da sua própria existência. Outrora, dúvidas não se punham sobre a sua natureza espiritual-corpórea, em unidade de ser. Hoje ao contrário, encontra-se no meio do mundo, desorientado, fazendo crer nas palavras do escritor: “O homem moderno perdeu o endereço de Deus”.
Para chegar ao conhecimento sobre a sua natureza, não é necessário que se empregue uma espistemologia da fé. Rigorosamente científico é o caminho que, partindo dos fatos, da realidade, da observação ou do fenômeno psicológico, percebe-se que este ser: pelo que faz e como faz, pelo que pensa e como pensa, pelo que sente e como sente, pelo que percebe como bem e como mal e como o realiza e o evita; é um ser vivente dotado de propriedades que ultrapassam a realidade puramente material-corpórea.
Essa natureza transcendente, isto é, que diz respeito ao âmbito espiritual, não se confunde com os conceitos de energia, de força vital, de matéria, de impulsos neuronais, de mentalismo etc. Explicar tal transcendência exige distinguir entre o ser humano e ser matéria. Este passo cognitivo não exige um ato de fé pura, uma adesão a uma verdade que não tem luz intrínseca e é revelada por outrem de cabal autoridade. Apenas é preciso respeitar a realidade da observação e pôr-se fenomenologicamente diante do comportamento humano e aceitar a evidência das suas propriedades espirituais, que lhe conferem uma dignidade absoluta. O universo material inteiro, somado, não é suficiente para sobrepujar o valor intrínseco de tal ser.
Ao tratar da dignidade absoluta do ser humano, esclarece-se que ela não pode ser negociada, condicionada, aviltada, tripudiada em nenhuma circunstância. Trata-se de uma dignidade simpliciter: sem condições. A dignidade que aí está independe do cognoscente. É tal, que exige o respeito de toda a sociedade e de cada um dos indivíduos.
Ali onde houver uma existência humana, seja na sua forma visível evidente, como ainda em gérmen, grave é o dever de lhe prestar a assistência. A dignidade humana ultrapassa o pobre equacionamento dos homens, pois a adquire pelo fato simples de existir. O fundamento desta dignidade não surge à posteriori, porque a sociedade assim decide, mas pela realidade do fenômeno existencial. Caso contrário, seria ditado de forma arbitrária, em dependência de outros fatores contingentes. Esta dignidade exige do Estado uma defesa a altura da sua dimensão e importância sociais.
As convicções religiosas legítimas, defendendo os valores humanos universais, proporcionam argumentos fortes para a defesa dos valores democráticos. Não se pode desprezá-las. Por outro lado, qualquer ato político ou decisão de chefe de Estado, deve pautar-se pelo respeito e pela responsabilidade na defesa dos direitos elementares da existência humana. São qualidades-chave, condição sine-qua-non, para a sustentabilidade democrática, virtudes que não podem estar somente nas disposições teóricas, mas na vida de todos, porque uma democracia sobrevive se os seus cidadãos se comprometem a construí-la, tendo-as como fundamento. Na mente do governante, revela-se a dúvida sobre a dignidade do ser humano, ao omitir-se na aplicação dos meios, para que todos a compreendam na sua radicalidade e possam atuar de acordo. Jorge Lacerda afirmava “que o futuro será o que a educação entender que ele seja”. Quando a autoridade carece de critério sobre os conceitos de dignidade humana e oferece uma técnica que resolve utilitariamente os problemas da sociedade, atua contra ela, já que o seu maior bem, não são as técnicas, mas sobretudo a garantia do respeito ao ser humano desde a sua concepção. Isto é o que confere à sociedade como um todo, sua grandeza e dignidade.
A vida humana não pode ser instrumentalizada, como mercadoria ou massa biológica, nem subordinada a razões de utilidade, porque sua dignidade transcende ao efêmero dos acontecimentos mundanos.
Subordinar a técnica aos valores do espírito, tal como Lacerda orientava: “impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!” A técnica, não ganha salvo conduto por dar melhores resultados socioeconômicos, mas, sobretudo ao promover e defender a radical dignidade do ser humano, que além de ser social é um ser espiritual! Não pode ser tratado, em nenhum momento, desde a sua concepção, como objeto. Porquanto, ao se desenvolver a sensibilidade dos indivíduos sobre sua própria dignidade, melhor se cultivará o respeito e a responsabilidade na construção da democracia.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Artigo publicado em: 06/03/2008


LIÇÃO DE LIBERDADE E DE HARMONIA Jorge Lacerda no II Congresso Estadual de Medicina Santa Catarina 25.04.1957 Análise de Discurso



Este discurso é realizado no II Congresso Estadual de Medicina em Florianópolis, foi convidado para proferir o discurso de encerramento. “Na ocasião, relatou o decidido apoio e as providências concretas de seu governo para a concretização da Faculdade de Medicina,
empreendimento da Associação Catarinense de Medicina”. Pasold (1998, p. 164) Desta fala apreende-se o estímulo ao debate livre das opiniões para o aprofundamento das questões possibilitando a aplicação dos conhecimentos que redundem em benefício de toda a sociedade.
Agora como governador impulsiona aquilo que sempre o preocupou, desde a sua condição de Deputado Federal: a educação universitária. Piazza (1993, p.XXVIII) no texto introdutório do Inventário Analítico do Fundo Privado do ex-Governador Jorge Lacerda explica que além dos esforços pelo ensino básico (fundamental e médio), preocupou-se com o ensino superior:

A outra ponta do problema educacional catarinense que o interessava vivamente era a implantação da Universidade. Ele sentira, na própria carne, este problema. Filho de gente modesta tivera que procurar em outro centro os estudos superiores que lhe interessavam, como inúmeros outros catarinenses fizeram e vinham fazendo desde o período colonial e que de certa forma era um convite à imigração das melhores inteligências, desfalcando, assim, o meio catarinense de ótimas cerebrações. Para tanto, apoiando a ideia de implantação da Universidade que vinha tomando forma desde o governo anterior de Irineu Bornhausen, sob a orientação do Prof. Henrique da Silva Fontes, dá todo o incentivo à elaboração do projeto de urbanização da área prevista para a Cidade Universitária, na Trindade, executada pelos Arquitetos Hélio de Queirós Duarte e Ernest Robert de Carvalho Mange. Assim, nas comemorações do primeiro aniversário de seu Governo, Jorge Lacerda assistiu ao início do trabalho de implantação do sistema viário do Plano de Urbanização da Cidade Universitária, onde declarou: "Assim vos afirmarei que nada me poderia ser mais grato em meu governo de que estar hoje neste local para iniciar os trabalhos de que vai surgir a Cidade Universitária de Santa Catarina." (Diário Oficial do Estado, Florianópolis, ed. de 4-2-1457, p.3. XXVIII)


Destaca o papel decisivo da universidade, que deve contar com ensino de qualidade e pessoal preparado. Advoga o princípio do estudante na centralidade do processo educativo e da finalidade da universidade. Apóia-se para isto nas conferências realizadas por Ortega y Gasset na Universidade de Madrid durante o segundo semestre de 1930. Refere-se em alguns trechos desta elocução ao filósofo espanhol. Insiste na idéia que já anteriormente, no discurso de 26.11.54, havia enfatizado: a questão do utilitarismo. A expressão que emprega é:

Permiti-me, senhores, que, neste instante, não apenas como colega, mas como alguém eventualmente elevado às responsabilidades de uma função pública, assinale a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura” DN (1960, p. 174).

É dentro desta perspectiva, de valores morais universais que visualiza a contribuição da universidade na formação de pessoas ao atuar empregando a ciência para a construção de uma sociedade mais justa. Destaca especialmente que: “O Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.” (id. 173)

Lição de Liberdade e de Harmonia (II Congresso Estadual de Medicina)
1 - Unidade
Conceito -Não é demais, neste instante, que exalte a significação de reuniões desta natureza, pois a ciência, hoje, se faz pela colaboração íntima dos que a ela se devotam, pela discussão de todas as teorias e de todos os problemas, através do debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais.

2 - Unidade
Conceito - E, para mim, esses mesmos pioneiros são os que têm por várias circunstâncias, maiores possibilidades de concretizar, no silêncio das províncias, se lhes não faltarem os instrumentos adequados, os sonhos que ardem no pensamento dos cientistas.

3 - Unidade
Conceito - Desejamos, efetivamente, Senhores Congressistas, que a nossa Faculdade se revista, à luz daquelas lições, da indispensável autoridade científica, sem a qual nada é possível fazer.

4 - Unidade
Conceito - Uma instituição, já nos ensinava Ortega y Gasset, é uma máquina; e toda a sua estrutura e funcionamento deverão ser prefixados pelo serviço que dela se espera. E acentuava que a raiz de qualquer reforma universitária está em acertar plenamente com a sua missão. Na organização do ensino superior, na construção da Universidade, temos de partir do estudante. A Universidade deve ser a projeção institucional do aluno. O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica.

5 - Unidade
Conceito - colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria, e a publicação, que se fará em breves dias, dos atos de designação dos membros desse Conselho, além da destinação específica de uma dotação orçamentária já fixada, são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.

6 - Unidade
Conceito - É oportuno que se realce o papel das Universidades no destino do mundo moderno. Sofre muito a Humanidade de dois males: o dos homens bons, que não têm noção alguma das técnicas que deveriam empregar para que se torne mais eficiente a sua bondade, e o dos técnicos, em que se abalaram ou em que quase se perderam as qualidades humanas.

7 - Unidade
Conceito - Palpita uma grande inquietação por toda a parte, não obstante o progresso vertiginoso da ciência e da técnica. Cada vez mais penetramos nos segredos recônditos da natureza, e à medida que nela mais nos aprofundamos, mais se agigantam perante nós o drama, o desespero e o temor, pois o homem, pelo domínio das forças íntimas da matéria, constrói sóis e os faz explodir à superfície da Terra, oferecendo ao mundo atônito a pompa luminosa de um crepúsculo trágico.

8 - Unidade
Conceito - Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!

9 - Unidade
Conceito - (...) dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura.

10 - Unidade
Conceito - No mundo contemporâneo, observa-se a ascensão, no cenário político, de personagens novas, que surgem do seio anônimo das massas, não raro ainda pouco esclarecidas, mas com a intuição clara e nítida da marcha inexorável das transformações sociais. Cabe às elites o papel de intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro.

A partir dos conceitos destacados, apreende-se o relevo, a propósito desta fala, que dá à interação e multidisciplinaridade, fomentando a troca de experiências, com o “debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais”. Os pioneiros, como sugere, são aqueles que podem concretizar os anseios de cientistas para as transformações no contato direto com os problemas, desde onde eles surgem. É o conhecimento que se socializa. Constrói-se conhecimento através do diálogo entre correntes de idéias e experiências diversas. Convencido estava da capacitação em alto nível dos docentes para o cumprimento da missão universitária: “O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica” DN (1960, p. 172). Sendo para isto indispensável a autoridade científica.
Mostra identificação com a discussão, ainda muito atual, proposta por Ortega y Gasset, que emprega nas suas conferências a figura da economia do conhecimento em que a sua aquisição é limitada pela capacidade de assimilação do alunado. O conhecimento construído e explicitado é crescente e o recurso escasso é o tempo e capacidades de assimilação humanas. Esta escassez exige uma atenção especial à centralidade institucional da universidade no aluno: “projeção institucional do aluno”.

Identifica a necessária integração/interação dos atores sociais de modo a atender “com o seu Conselho Diretor, em que são convocados a colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria”, atendendo a um modo de dirigir a instituição com instrumentos que: “são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.”

Descreve os dois males que ainda permanecem nas nossas universidades e no seio da nossa sociedade, a dos técnicos competentes pouco sensíveis às necessidades humanas e despreparados ético-politicamente. No outro extremo, situam-se os que têm certa boa vontade, no entanto, não têm os conhecimentos e habilidades para fazer com que os seus desejos de melhoria da sociedade possam se realizar, pois exige-se deles competência politico-administrativa.

Durante a guerra fria sentia-se palpitar as inquietações de uma possível destruição da humanidade. Hannah Arendt e Soljenitsen nas suas avaliações, no pós-guerra, diagnosticam o pessimismo global que repercutiu entre os filósofos e pensadores, porquanto o progresso e a ciência apenas conseguiram produzir bem estar material, mas não trouxeram felicidade às pessoas.

O projeto ideal de acordo com JL, é: “Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!” (id. p. 173)

Um outro tema candente que aborda, refere-se à pouca atratividade que as pessoas de cultura e inteligência têm para a carreira política. Assim como naquela época, hoje talvez mais grave ainda, verifica-se o desprestígio dos políticos, devido aos casos deploráveis de corrupção da atualidade. Confirma o que JL expressa: “a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura.” (id. p. 174). Pasold (1998, p.165) considera o sentido que JL emprega ao referir-se ao papel das elites:

Ao encerrar, pediu licença para manifestar a sua preocupação com a “dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência”, pela forma irresponsável com que certas pessoas que detêm pri­vilegiadas condições culturais, sociais e econômicas não atentam devidamente para as tristes realidades do mundo contemporâneo e os seus apelos proce­dentes. Este fenômeno, a seu juízo, deveria ser ime­diatamente detido através de uma urgente consciên­cia das elites, quase sempre tão omissas, no sentido de que sejam, o quanto antes, “intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro”.

Texto do discurso na integra

LIÇÃO DE LIBERDADE E DE HARMONIA
Discurso pronunciado no Congresso Estadual de Medicina, realizado em Florianópolis, em 25 de abril de 1957.

Ao término das vossas tarefas, quero congratular-me com o êxito do importante conclave que, para honra nossa, elegeu como seu cenário a nossa terra, a nossa ilha. Não é demais, neste instante, que exalte a significação de reuniões desta natureza, pois a ciência, hoje, se faz pela colaboração íntima dos que a ela se devotam, pela discussão de todas as teorias e de todos os problemas, através do debate livre e do confronto fecundo e cooperador das opiniões e conclusões individuais.

Recolhemos, por outro lado, os frutos de um contato benéfico com figuras nacionais tão ricas de sabedoria, humanidade e inteligência. O Congresso ofereceu-nos, pois, uma lição de liberdade e de harmonia. Neste ambiente sentiram-se inteiramente à vontade os mestres que de fora vieram para nos ensinar o muito que sabem; e estamos certos de que cumpriram o dever de estimular os que, por tantas vezes e à custa das mais duras penas, são os pioneiros e os anunciadores de eras novas para terras novas. E, para mim, esses mesmos pioneiros são os que têm por várias circunstâncias, maiores possibilidades de concretizar, no silêncio das províncias, se lhes não faltarem os instrumentos adequados, os sonhos que ardem no pensamento dos cientistas.

Pelo menos, Senhores Congressistas, é o que nós que­remos que suceda, pondo nisso toda a força da nossa fé e todo o nosso ímpeto realizador, no que respeita à nossa futura Faculdade de Medicina, em tão boa hora empreendida pela Associação Catarinense de Medicina e a que o meu Governo se honra de ter prestado decidido apoio, não só pela doação inicial de dez milhões de cruzeiros em apólices e da área que lhe é necessária, como por ter sempre posto à disposição dos fundadores toda a colaboração dos órgãos competentes da administração pública.
Devo confessar com sinceridade que não nos interessa apenas possuir mais uma Faculdade. O que pretendemos é que a nossa Faculdade seja, quanto possível, a realização daqueles ideais tão brilhantemente expostos, em sua memorável conferência de Florianópolis, pelo Professor Hilton Bocha, ilustre Presidente da Associação Médica Brasileira.

Desejamos, efetivamente, Senhores Congressistas, que a nossa Faculdade se revista, à luz daquelas lições, da indispensável autoridade científica, sem a qual nada é possível fazer. Para esse fim, é mister a convocação de figuras exponenciais que venham reger as cadeiras básicas do currículo. Já que a Faculdade deverá integrar-se na estrutura da Universidade, é necessário que todos nós concentremos o melhor dos nossos esforços, com o objetivo de que a Universidade de Santa Catarina seja a projeção real dos nossos ideais e da nossa vontade.

Uma instituição, já nos ensinava Ortega y Gasset, é uma máquina; e toda a sua estrutura e funcionamento deverão ser prefixados pelo serviço que dela se espera. E acentuava que a raiz de qualquer reforma universitária está em acertar plenamente com a sua missão. Na organização do ensino superior, na construção da Universidade, temos de partir do estudante. A Universidade deve ser a projeção institucional do aluno. O ensino superior tem por objetivo a transmissão de cultura, o ensinamento das profissões e a investigação científica.

Senhores Congressistas:

Tenho acompanhado com entusiasmo a tramitação, no Congresso Nacional, das proposições fundamentais, acerca do ensino médico dentro da linha das reformas preconizadas pela Associação Médica Brasileira. Nutro, mais do que a esperança de que tudo se realize, entre nós, de acordo com essa orientação, a certeza de que assim sucederá, dentro dos limites do que é humana­mente possível, tal a responsabilidade dos que estão à frente do empreendimento e tal o desejo, que palpita em todos nós, de que a Universidade de Santa Catarina possa inovar na organização das Universidades brasileiras. O meu Governo não tem poupado esforços para que se prossiga no caminho aberto pelo ex-governador Irineu Bornhausen: o início da urbanização da cidade universitária, a publicação já feita por nós do Decreto que institui o Regulamento da Fundação da Universidade de Santa Catarina, com o seu Conselho Diretor, em que são convocados a colaborar Professores universitários, representantes das profissões liberais, do Comércio e da Indústria, e a publicação, que se fará em breves dias, dos atos de designação dos membros desse Conselho, além da destinação específica de uma dotação orçamentária já fixada, são garantias de que o Governo deseja a colaboração ativa de todos os interessados e quer fazer da Universidade, como ela deve ser, a expressão máxima da atividade cultural do Estado e, ao mesmo tempo, um organismo perfeitamente sensível a todos os problemas de caráter técnico e de caráter social.

Senhores Congressistas:

É oportuno que se realce o papel das Universidades no destino do mundo moderno. Sofre muito a Humanidade de dois males: o dos homens bons, que não têm noção alguma das técnicas que deveriam empregar para que se torne mais eficiente a sua bondade, e o dos técnicos, em que se abalaram ou em que quase se perderam as qualidades humanas.

Palpita uma grande inquietação por toda a parte, não obstante o progresso vertiginoso da ciência e da técnica. Cada vez mais penetramos nos segredos recônditos da natureza, e à medida que nela mais nos aprofundamos, mais se agigantam perante nós o drama, o desespero e o temor, pois o homem, pelo domínio das forças íntimas da matéria, constrói sóis e os faz explodir à superfície da Terra, oferecendo ao mundo atônito a pompa luminosa de um crepúsculo trágico.
Ah! se pudéssemos colocar sob o domínio do espírito as conquistas modernas que derivam das idealizações dos sábios! Ah! se pudéssemos prevenir a grave crise em perspectiva, impedindo assim que o homem se converta em satélite de suas próprias criações!

Permiti-me, senhores, que, neste instante, não apenas como colega, mas como alguém eventualmente elevado às responsabilidades de uma função pública, assinale a dissociação crescente que se verifica entre a política e a inteligência. É verdade que as tristes realidades, que se repetem na vida pública, não são de molde a fascinar os homens voltados para a ciência e para a cultura. No mundo contemporâneo, observa-se a ascensão, no cenário político, de personagens novas, que surgem do seio anônimo das massas, não raro ainda pouco esclarecidas, mas com a intuição clara e nítida da marcha inexorável das transformações sociais. Cabe às elites o papel de intérpretes desses anseios surdos que fremem no âmago da sociedade moderna, para que se convertam em autênticos guias e verdadeiros arquitetos do futuro.

Espero, Senhores Congressistas, que daqui leveis tanta esperança e tanta fé nas possibilidades de Santa Catarina, como aquelas que eu próprio deposito em nossa terra; conosco fica a certeza da colaboração constante da vossa experiência e do vosso entendimento, quando por nós outros reclamados nas horas necessárias. E conosco ficam, sobretudo, a saudade da vossa presença, a lembrança do vosso saber e o estímulo da vossa inteligência.

Referências e Fontes para Pesquisa

LACERDA, J. Democracia e Nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 174
PASOLD, C.L. Jorge Lacerda: Uma Vida Muito Especial Florianópolis: Ed. OAB/SC, 1998.
PIAZZA, W. INVENTÁRIO ANALÍTICO DO FUNDO PRIVADO DO EX GOVERNADOR JORGE LACERDA 1931 a 1973. Brasília: Edição do Senado Federal, 1993. p. xxii-xxiii.
PIAZZA, Walter. In: REVISTA LITORAL. Florianópolis. N.III, Ano I. 1958.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Artigo publicado em: 28/01/2008

CULTURA E CIDADANIA

Educar é tarefa primordial do Estado, é de alta ressonância para o bem comum, fator decisivo na diminuição dos problemas sociais. Seria ingênuo pensar que a escola sozinha pode resolver todos os problemas. É preciso recuperar a noção clássica de que o que educa é todo um modo de viver e fazer sociedade. Refletir sobre o “ser sociedade”, “fazer-se sociedade”, exige o desenvolvimento de uma cultura apoiada em valores éticos para a construção da cidadania.A cultura total de um povo é reflexo das suas realizações, das suas políticas educativas, das suas construções significativas ao longo do tempo. Dependendo do seu sinal negativo ou positivo, esta construção permite a boa colheita como em terra cultivada. A cultura como fruto do artifício humano é o que educa. Necessita-se de uma genuína sociedade educadora. Isto significa mais do que ter boas escolas. A sociedade deve ter uma abordagem abrangente para o problema social.
A cultura tem uma influência educadora imensa. Sorokin ensina que “a totalidade dos significados, valores e normas possuídos por indivíduos ou grupos constitui a sua cultura ideológica; a totalidade de suas ações significativas, através das quais se manifestam e realizam os puros significados-valores-normas, representa a sua cultura comportamental; e a totalidade de todos os outros veículos, os objetos e energias materiais e biofísicos por meio dos quais se externa, consolida e socializa a sua cultura ideológica, forma a sua cultura material. Deste modo, a cultura empírica total de uma pessoa ou grupo é composta desses três níveis culturais, o ideológico, o comportamental e o material.”
Cidadania consciente exige criar “capital social”, isto é, melhorar o grau de cooperação e generosidade para atender necessidades dos outros; desenvolver “uma sociedade com um sentido do bem comum, com uma moral social e espírito público, e com uma viva memória de seu próprio passado cultural”. Jorge Lacerda, em inúmeros discursos na Câmara dos Deputados, destacava que “a história nos ensina que as forças materiais das nações também se nutrem das resistências do espírito, forjadas pela cultura, mercê das quais o seu poder de sobrevivência tem superado o impacto das catástrofes. (...) De nada valem as nações, perante a história, se não souberem legar à posteridade uma luminosa mensagem de cultura!”
A escola é fator importante, no entanto, o papel da cultura é decisivo. A cultura negativa pode tornar ineficaz a ação educativa, como uma gota d’água pura jogada num rio poluído. Francisco Campos na sua “Oração à Bandeira” faz pensar: “A pátria não é, porém, apenas uma dádiva do céu. Os homens constroem a sua pátria como os pássaros o seu ninho; os térmitas fazem as suas cidades de mistérios e de silêncio; os rios, seu curso; e o coral, seus arquipélagos de sonho. Cada uma dessas construções representa esforço, trabalho, sacrifício, tenacidade na luta, obstinação no instinto ou na vontade, continuidade na ação e, nas construções humanas, as difíceis e raras virtudes de modéstia na grandeza, de desinteresse, de disciplina, de humildade, porque a construção da pátria pelos homens é uma construção no tempo para a eternidade.” Da mesma forma a cidadania requer construir uma cultura autêntica, em cada lar, em cada escola, no ambiente do comércio, no estúdio, na conversa do cabeleireiro, no meio do trânsito...
No âmbito dos valores morais, não ocorre como no progresso tecnológico, em que uma geração entrega mais conhecimento e melhores técnicas às outras. Cada geração necessita construir, com sua liberdade, as próprias virtudes frente às suas circunstâncias. A responsabilidade de umas gerações com relação às seguintes é grande, porquanto se pode ouvir dos mais novos: “Nossa herança nos foi deixada sem testamento algum”.Uma das dificuldades apontadas por Hannah Arendt é o fato de que na pós-modernidade rompeu-se com todas as tradições. O grotesco afastamento dos valores morais mais elementares, a banalização do mal, o espalhar-se da mentira como modo de fazer política, o chamar de virtude ao inominável, ela explica: “Pois, o que mais além do desespero, poderia ter inspirado a asserção de Tocqueville de que ‘desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro a mente vagueia na escuridão’”. De perene validade é o conselho de Lacerda: “Corre-nos, por conseguinte o grave dever, neste momento de suscitar a reabilitação dos valores do espírito e propagá-los mais amplamente no seio da sociedade.”